É misticismo esse
jeito de ordenar as palavras, é o jeito dela não morrer, Macabéa me veio do
tamanho de um prédio na paulista quando li pela primeira o livro da hora da
morte, (Eu sei que é da estrela, saibam que li). Quantas vezes foi nela que
encontrei o jeito de fugir dessa cidade toda feita contra mim, toda minha de
tão estrangeira que sou. Às vezes, na solidão do primeiro mês é dentro de um
mundo de ficção que nos refugiamos. Há 50 anos não fazia tanto frio, foi assim
que cheguei, na mala mais saias do que calças, mais sonhos do que certezas.
Quanto tédio na hora do almoço, quanta vontade de ir embora eu afastei dentro
de suas entranhas, dos seus abismos, da sua sintaxe de represa arrebentando
cercas, do seu parágrafo estourando uma barragem. Da seca ao sumo de flores
pisadas numa calçada na cidade de São Paulo. Clarice me apresentou a possibilidade
de enfrentamento das horas periclitantes, resisti a vida de Ana, nunca fui
comprar ovos numa sacola, o cego nos espreita em qualquer esquina.
As mulheres de Clarice
são vulcões, G.H. numa fremente erupção me deu o pão. A literatura é meu lugar
de descanso, na aversão aos meios, ao livro de ponto, ao livro didático, ela
salva meu entendimento tão torto sobre os elos frágeis das relações.
No perigo d’As Horas,
na envergadura velha dos moralismos coléricos, nas intermitências do cansaço
diário, a faca só lâmina de João Cabral brilha, não a loucura e o pavor da
vida, mas a luta, a lida, a caminhada severina de quem desabrochou na terra da
garoa. Dentro de cada história, de cada leitura devorada na busca de comunhão,
estou. A Sanidade está aquém, talvez tão fundo que desconfiemos de sua existência
e quem está de fora nem sabe, mas há sentido na solidão dos livros, dentro de
um livro saltam Diadorim, Casmurro, dentro de um livro eu vi mineirinho morrer,
e eu também, porque quis sua morte e me senti segura. Eu morri com Macabéa e só
assim pude viver fora do Nordeste.
Clarice me tirou o
chão, só por isso me digo sã.
Refúgios e abrigos. Tão bom quando a leitura nos acolhe e nos compreende. Belo texto, Dona Adilma!
ResponderExcluirJá eu sou insano por essa mulher. Comecei a ler seu texto meio distraído, entre outros afazeres. Quando vi que dele me vinha Clarice, fechei tudo e deixei para outro momento. Um de mais foco, de pura concentração. Agora consegui. Que linda declaração de amor ao literário. Sinto o mesmo. Vivemos pelas histórias que lemos. E morremos por ela também.
ResponderExcluirSobre São Paulo, ela me enche de vontade. Nunca estive nem perto, mas alguma coisa em mim vibra por ela. Mais do que por pontos turísticos de outras cidades, pelo (aqui) tão badalado Rio de Janeiro... É São Paulo que me chama do seu cinza.
Um dia eu resolvo ouvir esse chamado.
Linné? Tomara que isso aconteça mesmo.
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