segunda-feira, 3 de março de 2014

cONJUGAÇÃO DO VERBO iR - por Vinícius Linné

É carnaval e eu fiz tantas curvas que nenhum samba me achou.

Fui para onde o vento pinta tudo de poeira vermelha, transformando pessoas em anjos barrocos.

Fui para onde as borboletas são ninfas azuis que seduzem, provocam e se escondem na hora dos retratos. Borboletas que acreditam no que ainda lhes disseram os índios: capturar suas imagens seria capturar suas almas.

Fui para onde as Iaras pedem licença à Iansã e penteiam os cabelos nas quedas d’água das pedreiras.

Fui para onde existem onças nos olhos dos gatos. E gatos com olhos de mato.

Fui para onde a mata faz fumaça e canta coisas de arrepiar.

Fui para onde as caiporas caçam e os cães ninam os filhotes alheios.

Fui para onde os facões crescem em árvore e avisam no caminho que há guerra para quem vier.

Sim, fui para onde as pessoas se matam e abandonam casas ao fugir.

Fui para onde o chão é mais duro e puxa mais forte quem dele se aproximar.

Fui para onde as pessoas se acostumam (ou não) com a prisão.

Fui para onde as Igrejas rezam sozinhas, com vozes de quem já morreu e repetem os encantos que as cercam sem cessar.

Fui para onde o rio é mistério e aparta línguas, costumes, cores e olhares.

Fui para onde brotam lodos e peixes dentro das máquinas de fotografar.

Fui para onde a tentação de encher os bolsos de pedras é grande, lá Virgínia jamais poderia estar.

Fui para as quedas que me acompanharam ao voltar. O barulho daqui é agora o mesmo de lá. A chuva é água do peral e da queda daquele que tudo engole.

Fui. Sim, eu fui.

É carnaval e eu fui para dentro de mim.

2 comentários:

  1. Vinícius, estou levando este texto para postar na Academia Virtual de Escritores Clandestinos (no facebook). Um abraço

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