Em algum lugar há alguém que ainda não se compreende. E, portanto, tampouco é compreendido pelos outros. Ele tem ainda dezessete. É alguém que ouve uma música na TV e fica com ela a rodopiar a madrugada. Alguém que fica até tarde assistindo a Globo porque é a única emissora que tem. Alguém que vê uma série sobre mortos e a acha linda, mesmo sob o benzimento de uma tia qualquer. Ele é alguém que acende velas na noite do quarto. Alguém que vai para a janela sorrir só nos dias de tormenta.
Ele viu também uma série e lembrará das canções pela vida afora. Ele decorou uma das frases e vai usar como mantra para sempre: “O que há de ser tem muita força”. Há esse alguém que é especial. Porque, compreendam, numa noite insone, talvez nas férias, enquanto procura por vídeos pornôs, ele verá duas mulheres se beijando. E verá mais, verá até o final. Anotará o nome do filme e só muito depois verá o começo: “A cor púrpura”. Ele não entenderá na hora, por falta de alma, mas buscará entender. Isso é que é importante. Buscar.
Depois disso, é em busca de alma que ele vai. Ela vai ler, ele vai ver, ele vai rodopiar quando o vento vier e ele vai sorrir então. Ele vai transformar o menino em homem na via pouco usada da sensibilidade. Ele é o vaso de barro que, aos poucos, se inchará de água até brotar em flor. Flor púrpura.
Apesar de tudo, do mundo e dos muros, dos homens e dos murros, ele vai. Ele vai seguir pela fresta estreita dos olhos dos gatos. Ele vai seguir a essência dos fatos. Ele vai colorir a beleza do próprio mundo em busca de sentidos e de sentir. De sentir especialmente.
Ele vai amar. Vai escrever as palavras todas. Ele vai seguir e chorar muitas, muitas vezes, porque o que é sensível verte, derrama pranto de pouco em pouco. Mas ele também vai dançar. Sozinho, sem música mesmo, pisando folhas secas e beijando o vento que uiva.
Quando ele tiver alma o suficiente – não demais, o suficiente – ele vai sentar e profetizar o próprio passado. Aos vinte e sete, ele vai verter no papel palavra por palavra o que ele quer que aconteça. Dez anos criados em busca de mais alma. E ele vai sorrir no ponto final. Porque alguma coisa, alguma coisa só, ele já compreenderá então.
A gana, o gosto, a fome, a sede, a eterna febre de compreender "alguma coisa só". Só uma que seja.
ResponderExcluirSeu texto coloriu meu dia particularmente amorfo.
Acho que ainda temos salvação meu amigo. Uma só, mínima, basta.
Um beijo.