Géraldine Georges
Chorou
uma lágrima de gelo. Apertou com muita força os próprios dedos e olhou para o centro
do oratório. As imagens de santo, Jesus, Kardec ou Buda - o que sua fé ainda acreditasse - não estavam
mais ali. O tempo desbotou o Senhor que poderia lhe trazer alívio.
Com olhos repousados nesse nada antigo e úmido, pediu um amor. Ela
só queria alguém para amar. Nada mais.
Lembrou
que sua alma morava dentro de uma bolsa preta, velha e rasgada que
carregava junto com outros objetos também esquecidos. Com
raiva e pressa, jogou tudo no chão até alcançar sua própria alma
que segurava uma segunda bolsa. A bolsa da alma era mais pesada
ainda. Repleta de chaves, cadeados e ferrugens. Tudo estava podre. Restos de papéis e tampinhas de caneta bic dividiam espaços com ínúmeros vícios, sobras, sombras, traumas,
medos e mentiras que a alma contava tão bem para quem se aproximava. A
bolsa da alma era uma bagunça. Tentou separar todo o lixo e
ajoelhados, corpo e alma frente ao oratório, pediram por um amor.
Não
se sabe quanto tempo se passou nem quantos meses ou anos ficaram ajoelhados ali, em sólido silêncio, clamando. Não se sabe
se os céus ou o inferno ouviram suas preces. Os moradores da cidade
apenas observavam, por trás de suas cortinas de curiosidade, o alto
clamor. Eles duvidavam que corpo e alma conseguiriam alcançar os
benefícios da prece.
Dizem
que numa manhã de agosto, o pedido deles saiu do oratório e atingiu
a autorização do Senhor que entregava amores de amar. Ele concedeu
exatamente o que há anos corpo e alma pediam. Mas eles desconfiados frente ao recebido escolheram a bagunça pesada e densa que a bolsa da alma carregava.
Não
tiveram olhos de reconhecer amor de amar. Morreram ajoelhados, corpo
e alma, mãos estendidas, clamando por algo que não viram chegar.
Dizem
que o espírito dela, o único que ainda ficou, vive de contar mentiras para quem ainda acredita em histórias de amor primeiro.