quinta-feira, 7 de março de 2013

as BAILARINAS - por Simone Huck

Edgard Degas

Ela tenta se equilibrar ao lado do balão de oxigênio. Ele se arrasta numa cadeira de rodas velha. Bailarinas depois da guerra; ambos possuem pernas fracas. Entram na fila para pegar um número. O câncer faz a curva em dois complexos do hospital distribuindo senhas. Os zumbis humanos, sem olhos de encarar meus olhos, seguem sem ilusões nos bolsos rasgados de suas calças repetidas. A vida é uma eterna quimioterapia.

Os dias são quentes. Altas temperaturas e o país tropical está prestes a pegar fogo. O câncer também transpira, com sudorese e perfume vencido, não perdoa nem no odor. Ao lado, enquanto esperamos, escuto um discurso:
- Filha, o que é câncer?
- É algo comum, mãe. Não se preocupe com isso.
- Meu cabelo vai cair?
- Mãe, você é linda de qualquer jeito. Seu par de olhos verdes compensam toda vaidade. Se caírem, seus olhos continuarão verdes e você, linda. Não se preocupe com isso.
- Não aguento mais ser picada por tantas agulhas.
- Mãe, imagina se você tivesse tropeçado num formigueiro?
A mãe suspira convencida. A filha suspira agoniada. Todos ficamos em silêncio. Mãe e filha. O diálogo vencido. Eu. 

Ela levanta para pegar um café e deixa a mãe por cinco minutos. Levanto também. Ela pede adoçante e eu açúcar. Ela sabe que ouvi o diálogo. Senta para tomar o café. Sento ao lado. Nos apresentamos quase que em silêncio. Comungamos segredos.
Ela me diz:
- Nunca pensei que pudesse construir tão prontamente respostas burras e mentirosas capazes de também me fazer acreditar.
Sorrio e lhe respondo:
- Alguns desesperos precisam virar contos de fada. Não se culpe. Nem sempre necessitamos da verdade.
Ficamos em silêncio. Somos uma fraude sem palavras.

A fila anda. As bailarinas se arrastam. O suor escorre de nossas testas e molham as senhas. Somos uma sentença líquida a espera de um final feliz que não acreditamos.

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