terça-feira, 26 de março de 2013

mARIA FUGIU - por Adilma Alencar.


Come pão, toma café com leite. É só uma mulher no seu desjejum solitário, é dia de domingo, sinos soam longínquos.
A TV ligada diz do mundo, ela não ouve, faz tempo deixou de ouvir notícia.
Uma roupa pronta, passada, pensada, a espera. Maria vai à feira sentir os cheiros, escolher frutas, apalpar fruto, semente, grão, pó. Escolher alhos, cebolas, cajus, jacas.
Ri sozinha enquanto o pensamento desenha uma melodia.
Entre o córrego e as flores, lixo, latas e borboletas pequenas são cenários, é por onde Ela passa.
Triste e bonita como só Maria sabe ser, romã na mão, abandona o olhar numa mãe com a filha, ela também quer maternidade, mas seca todo dia as lágrimas de mulher com sua redoma de loucura, precipita, ela precipita.
Esconde a lã e faz amor com as estrelas, renuncia a tudo que é óbvio. Repete as receitas das mulheres que a antecederam, faz o molho com a ternura de uma mãe, como se servisse a uma deusa caprichosa e vaidosa.
Andar é a terapia, andar até doer o pé, ver horizonte, alargar a memória num laranja de fim de dia.
Ela quer a serenidade e faz juras. Reza. Pinta a cozinha de azul, compra abajures para o criado mudo, para a estante. A casa, à noite, é toda Maria. Cortinas leves de tons rosa, o cheiro de mato.
Vinho e vinho, bebe até romper em choro. Apartada da multidão dos bares, das vaidades do sexo, da violência das palavras, chora, menina, é sempre mais menina que mulher, a saudade rompe em meninice, cai sob seu lençol branco e reler os rascunhos de céu que a alma comeu.
Frio, o lençol ofende de tão limpo, ofende o calor que Maria sente.
A casa é limpa, como a alma de Maria.
Não é pesar que carrega nos ombros frágeis de mulher, não é ciúme, é paixão, ela pena as dores de um relâmpago, ela paga o visgo de uma planta, a sangria de demônios e duendes, o preço da fantasia é esse gosto amarrado no céu da boca, é a falta de nuvem para Maria pousar, falta à Maria o prumo. Ela compra santos frios, ela reza, Maria morre todo dia.
Maria fugiu do lar.
Para viver.

5 comentários:

  1. Queria ter um dia de Maria.

    Lindo, Dilma.

    ResponderExcluir
  2. Queria ir com Maria e JAMAIS olhar pra trás...

    (vamos tomar um café e falar de Marias??).

    Bjs

    ResponderExcluir
  3. Obrigada,Si.
    Sim para cafés e para Marias .Um xero.

    ResponderExcluir
  4. Apaixonante Maria.

    ResponderExcluir

o Febre CRÔNICA agradece sua leitura e comentário.