Sei que vou morrer antes de você chegar. Já se passaram tantos anos. Ainda espero. Ontem a noite, mais uma vez, fechei os olhos e seus passos pesados invadiram o assoalho da sala. Só os seus passos fazem a madeira ranger assim. Você tem um jeito pesado de andar.
Na geladeira, peras maduras esperam pela sua boca. Sei que será a minha, mais uma vez, a comê-las no seu lugar. Eu não desisto, nem as peras desistem de você. Nossas bocas confundem qualquer tipo de fruta. Outro dia abri a geladeira, coloquei todas as peras enfileiradas na mesa e fiquei falando de você. Agora elas sabem exatamente o gosto da sua língua, o som da sua voz, o doce do seu hálito. Esperamos com avidez que a sua boca adentre a casa e a geladeira. Todos nós sabemos que você jamais chegará antes de morrermos. As peras morrerão antes de mim. Há uma certa ordem no caos da morte.
Ontem de manhã choveu. A chuva molhou o jardim. Peguei um pano e fiquei secando as flores. Ousei secar a chuva enquanto te esperava chegar. Sou pretérito perfeito que aguarda. Falei de você para o jardim. As flores brigaram comigo, não aprovaram minha honesta espera. Disseram que fidelidade tem prescrição, validade e durabilidade. Não entendi nenhuma dessas três palavras quando se trata de você. Nada disso se aplica a você. Muitas coisas não se aplicam a você.
Pintei outro quadro essa tarde. Ficou tão bonito. É colorido e denso como você. Espesso, grosso, com nuances opacas e gêmeas. Há pedaços seus tão iguais no mesmo lugar. Há pedaços distintos. Mistura de branco e preto. Tudo e nada. Você nunca esteve em nada. Nunca esteve aqui. Sempre soubemos. Você ainda não sabe quem é. Nem pra mim. Nem pra ninguém.
Sei que vou morrer antes de você chegar.
Antes de apagar a luz, subi na escada e beijei a lâmpada quente do teto do quarto. Parece que a sua imagem está ali dentro daquela lâmpada, querendo atravessar com sua lança, o raio de luz. Você se parece tanto com a imagem de São Jorge, seu protetor.
Somos apenas imagens. Estados gasosos que serão dissipados pela urgência da espera.
Acenda a luz quando você chegar...
Na geladeira, peras maduras esperam pela sua boca. Sei que será a minha, mais uma vez, a comê-las no seu lugar. Eu não desisto, nem as peras desistem de você. Nossas bocas confundem qualquer tipo de fruta. Outro dia abri a geladeira, coloquei todas as peras enfileiradas na mesa e fiquei falando de você. Agora elas sabem exatamente o gosto da sua língua, o som da sua voz, o doce do seu hálito. Esperamos com avidez que a sua boca adentre a casa e a geladeira. Todos nós sabemos que você jamais chegará antes de morrermos. As peras morrerão antes de mim. Há uma certa ordem no caos da morte.
Ontem de manhã choveu. A chuva molhou o jardim. Peguei um pano e fiquei secando as flores. Ousei secar a chuva enquanto te esperava chegar. Sou pretérito perfeito que aguarda. Falei de você para o jardim. As flores brigaram comigo, não aprovaram minha honesta espera. Disseram que fidelidade tem prescrição, validade e durabilidade. Não entendi nenhuma dessas três palavras quando se trata de você. Nada disso se aplica a você. Muitas coisas não se aplicam a você.
Pintei outro quadro essa tarde. Ficou tão bonito. É colorido e denso como você. Espesso, grosso, com nuances opacas e gêmeas. Há pedaços seus tão iguais no mesmo lugar. Há pedaços distintos. Mistura de branco e preto. Tudo e nada. Você nunca esteve em nada. Nunca esteve aqui. Sempre soubemos. Você ainda não sabe quem é. Nem pra mim. Nem pra ninguém.
Sei que vou morrer antes de você chegar.
Ontem à noite, antes de dormir, descobri uma música nova na rádio da Palestina. Estamos todos em infinitas guerras. As estações do rádio, a Palestina, eu e você. Sorri e fiquei ouvindo, repetindo, repetindo, repetindo aquele novo som até dormir. Você teria gostado tanto de ouvir essa música nos meus fones de ouvido. A Palestina talvez dormiria em paz assim.
Antes de apagar a luz, subi na escada e beijei a lâmpada quente do teto do quarto. Parece que a sua imagem está ali dentro daquela lâmpada, querendo atravessar com sua lança, o raio de luz. Você se parece tanto com a imagem de São Jorge, seu protetor.
Somos apenas imagens. Estados gasosos que serão dissipados pela urgência da espera.
Acenda a luz quando você chegar...
("as PERAS também esPERAm" foi publicado em 29 de novembro de 2012 aqui, no febre CRÔNICA.)