Sarah tinha medo de enlouquecer como a mãe. A mãe que deixara a casa
vazia quando Sarah era ainda uma menina. A mãe que ela chamara sem parar quando
chegara da escola. A mãe de malas prontas, cadernos cheios e amante de cartola
preta.
Era com medo que Sarah olhava para o filho pequeno, para o marido
concreto, para a casa sólida e para o extrato do banco. Ela tinha medo que nada
daquilo bastasse, assim como não bastara para sua mãe.
Ela tinha medo de palavras como abstrato, subjetivo e coração.
A casa de Sarah, por isso, não tinha canetas. Nem lápis, nem
computador, nem máquina alguma que permitisse escrever. Sarah tinha medo de ser
acometida pela mesma loucura da mãe. Sarah tinha medo de, de repente, fazer uma
poesia.
Bastaria uma poesia para tudo se perder. Para a ordem deixar de
existir e para nada mais bastar. Para a mãe de Sarah não tinha sido assim? Ela
não trocara a vida segura por um punhado de rimas e sonhos? Ela não fugira com
o amante de cartola para ser poetisa em algum outro lugar? Para escrever, para
publicar, para ser lida... Não fora assim?
Fora. A mãe, louca, decerto em alguma esquina vendendo seus livros,
gritando poemas a quem passasse, sendo gozada e servindo de chacota a uma
cidade inteira qualquer. Sarah tinha que evitar isso. Por isso os papéis
racionados, só usados para o essencial. Por isso nenhum caderno na casa, nenhum
bloco, nenhuma folha em branco, nenhum guardanapo que pudesse ser escrito.
Por isso a frustração de Sarah. Por isso o rancor nos olhos azuis. Por
isso a rispidez, a dureza da boca, a mesquinhez na fala. Por isso a vontade de
ferir todo mundo, por isso a insistência em não ver beleza em nada, por isso a
loucura. Por isso a loucura de Sarah, pelo medo da loucura da mãe, aquela de
ver poesia na vida.
"Por isso o rancor dos olhos azuis"
ResponderExcluirTexto bonito,Linné.
Em dias frios...
ResponderExcluirNada melhor,que ler esse blog
incrivel de voçês...
Fico encantada com tudo que leio...
Parabens a todos !!!!