Há dias em que precisamos de um texto velho. Um que tenha sido escrito em um momento menos ruim. Escrito, quem sabe, em um fim de tarde, quando as cores eram ainda quentes e os reflexos do sol entravam pela vidraça do quarto.
Hoje eu estou assim. Eu preciso das palavras passadas, menos pesadas do que estas que carrego agora. Eu quero a leveza de antes, a inocência, o despudor ao falar de amor e ao usar reticências longas.
Hoje meus dedos estão duros. E duras seriam as palavras de qualquer texto meu. Eu não sei ser como os outros. Eu não sei compor só banalidades, dias a dias, conselhos para autoestima de meninas enjeitadas. Eu não sei ser popular, ser legível, comestível, tragável. “Valorize-se e seja feliz porque você existe e é querida por alguém.” Eu não sei.
Eu não sei escrever. Pelo menos hoje eu não sei. Eu não sei compor histórias, enfileirar sentenças, abrilhantar discursos. Hoje eu não conheço técnicas, truques, métricas. Por enquanto eu sei sentir. Eu todo me sei sentir. Há dias em que o resultado disso é que eu escrevo. Há dias que o resultado é que eu me calo.
Hoje é desses dias de calar. Dia de não fazer mais choradéu. De não reclamar, maldizer, amaldiçoar até os grãos secos da minha nova história. Hoje é dia de procurar um texto velho para a crônica semanal. Dia de chafurdar arquivos, editar pretéritos, revisar a vida.
Vasculho, então, os arquivos e neles não encontro nada que me sirva. Tudo é apertado demais para hoje. Qualquer palavra bonita me sufoca como nó de enforcado. Quando eu a escrevi, eu não sabia sequer quem era. Hoje eu sei. E é impossível continuar impassível.
Nem disfarçar eu sei mais. Nem usar um texto alegre para me fingir alegre também. Não sou poeta-fingidor, Pessoa. Hoje eu não sou. Hoje sou esse que na falta de outro texto e na ânsia de poupar meus leitores de mim, só faz um desabafo manso para ocupar o espaço lento e não revelar o que está, de verdade, por dentro: uma folha em branco e a angústia que a acompanha.
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