Não me sinto confortável na vida. O meu vigor é manso
e quase preguiçoso, mas ainda e sempre vigor. Envergonho-me da miséria das ruas
porque tenho parte no mundo, se minha crença creditasse a sina, eu rezaria
sobre véus brancos e suplicaria tempos outros para a mulher mijada e feia que
chora a morte do filho num beco imundo das ruas da Mooca.
É tempo de mudança, dizem.
As músicas de protestos de Caetano embalam festinhas
da Vila Mariana, maconha, cores de Frida e estômago cheio.
Mulheres bolivianas são exploradas no Bom Retiro. Na
escola a sintaxe de Machado não comove o menino do nono ano que só quer
“infantilizar formigas” enquanto advinha os cachinhos negros de Beatriz que
senta sempre na primeira fileira.
Colorir meu quintal com terra e semente e esperar sua
chegada para ninar meu silêncio é a ordem. Uma vez disseram de minha espera de
flores, eu ri, um sorriso de incenso, um ar de maresia na cara e sal na língua.
Minha espera é vã, eu minto, não espero. Essas cores que enfeitam a casa são murros,
murros surdos no desconforto de estar.
É um espetáculo um homem, uma mulher, uma criança, a
vida caminhando sobre o aço da metrópole. As rolinhas no seu revoar cru comem
restos de qualquer coisa no chão.
Mas ontem, contrariando o tédio de domingo, eu vi sem
choro, sem grito, sem amargura ou euforia, o sentido por trás dos espinhos, a
lança primeiro que furou o homem, a nuvem carregada de tempestades frias sobre
as casas pobres, a mulher segurando o filho frágil nos braços cansados de tanto
ninar homens futuros.
Eu vi flores brotando como uma sombra, para cada um
havia uma flor.
Hoje, mais calma e refeita da confusão de sombras e
cores, eu joguei no lixo velhas cartas que estranhamente emanavam cheiro de
capim cortado.
O desconforto está no meu quando, o vigor é o soco de
tinta que eu lancei na parede da sala.
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