"oculto", 2013 - Simone Huck
Ando com transtorno obsessivo por uma palavra
nova. Abro gavetas. Vasculho dentro dos sapatos. Confiro bolsos
antigos de calças jeans envelhecidas. Arranho o chão de uma língua
muda. Minha busca é morta.
Deve estar guardada em algum lugar de mim a
consoante capaz de me escrever. Verifico frases escondidas debaixo
das unhas. Nada. Nada. Nada. Nenhuma palavra nova para descrever
ânsias velhas. A palavra que não existe está escrita em minha
miopia?
Dentro da estante, desconfianças e medos
empilhados. Esperanças que não vejo penduradas por pregos que não
foram fabricados. Escassas felicidades desbotadas pelo tempo. Como
encontrar uma palavra capaz de descrever não-seis?
Dilúvios de incertezas ácidas em água doce.
Lágrimas são palavras líquidas. No rádio e na igreja a mesma
saliva que cospe “eu te amo” também cospe “eu te odeio”.
Onde compro uma palavra nova?
Dias incertos.
Essa palavra não deve existir.
A casa que não habito está limpa. Estou lendo
todos os livros sem palavras. A biblioteca e a cozinha seguem
organizadas. Meu coração é um armário branco repleto de
prateleiras congestionadas, pendurado na cozinha laranja que não
pintei.
O telefone e a casa seguem mudos. O gato que não
tenho descansa em paz no meu pé. Mastigo pão de felicidade com café
de tristeza. Tudo é uma dúvida que também não foi criada. Não
sei mais se sinto.
Vou me casar daqui quinze dias. Estou levando uma
mala cheia de dicionários para a vida dela. Nunca será tarde para
encontrar uma palavra nova. Passagens compradas. Alianças compradas.
Roupas na mala.
Vou me mudar para a vida dela e não volto nunca
mais. Nem eu, nem a palavra nova.
Oh oh, eis uma legítima crônica de sacudir o ser, o estar e o dicionário adormecido! Queria comentar com palavra nova, mas... quedê?
ResponderExcluirObrigada pela sempre leitura, pelo sempre carinho, pela amizade!!
ExcluirBeijos.