quinta-feira, 15 de agosto de 2013

dOMESTICANDO SEMÂNTICAS - por Simone Huck


"oculto", 2013 - Simone Huck


Ando com transtorno obsessivo por uma palavra nova. Abro gavetas. Vasculho dentro dos sapatos. Confiro bolsos antigos de calças jeans envelhecidas. Arranho o chão de uma língua muda. Minha busca é morta.

Deve estar guardada em algum lugar de mim a consoante capaz de me escrever. Verifico frases escondidas debaixo das unhas. Nada. Nada. Nada. Nenhuma palavra nova para descrever ânsias velhas. A palavra que não existe está escrita em minha miopia?

Dentro da estante, desconfianças e medos empilhados. Esperanças que não vejo penduradas por pregos que não foram fabricados. Escassas felicidades desbotadas pelo tempo. Como encontrar uma palavra capaz de descrever não-seis?

Dilúvios de incertezas ácidas em água doce. Lágrimas são palavras líquidas. No rádio e na igreja a mesma saliva que cospe “eu te amo” também cospe “eu te odeio”. Onde compro uma palavra nova?
Dias incertos.
Essa palavra não deve existir.

A casa que não habito está limpa. Estou lendo todos os livros sem palavras. A biblioteca e a cozinha seguem organizadas. Meu coração é um armário branco repleto de prateleiras congestionadas, pendurado na cozinha laranja que não pintei.

O telefone e a casa seguem mudos. O gato que não tenho descansa em paz no meu pé. Mastigo pão de felicidade com café de tristeza. Tudo é uma dúvida que também não foi criada. Não sei mais se sinto.

Vou me casar daqui quinze dias. Estou levando uma mala cheia de dicionários para a vida dela. Nunca será tarde para encontrar uma palavra nova. Passagens compradas. Alianças compradas. Roupas na mala.

Vou me mudar para a vida dela e não volto nunca mais. Nem eu, nem a palavra nova.

2 comentários:

  1. Oh oh, eis uma legítima crônica de sacudir o ser, o estar e o dicionário adormecido! Queria comentar com palavra nova, mas... quedê?

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    1. Obrigada pela sempre leitura, pelo sempre carinho, pela amizade!!
      Beijos.

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