"Candy Spoons", 2010 - Julievr
Que corte trazes na alma para deixá-la escorrer a todo instante? O que te faz querer ser assim, bom e justo e correto e doce. Doce, como se o resto não bastasse. Insistes ainda no açúcar cande, quando ninguém o faz por merecer.
Tentas, bem o sei, ser bruto. Tentas de todo jeito. Nas palavras ríspidas, nos gestos secos, nos murros bem aplicados entre os olhos. O corte na alma, porém, insiste em não cicatrizar e em deixar escorrer essa calda de mel. Basta uma distração, um curativo há tempo demais sem trocar... e pronto. Lá tu estás a ser gentil e delicado.
Droga! Não é de delicadeza que tu precisas. Não é desse polvilhado de confeiteiro que o mundo sobrevive. Para sobreviver é preciso arder no olho alheio. É preciso inspirar medo, não compaixão. É preciso causar ânsia pelo que é azedo, não vontade de te que tenham mais.
Ser bom não é lucro aqui. Tu já devias ter aprendido. Mas tu não aprendes, não é? Enquanto não levar uns bons pontos, enquanto não suturar a alma, enquanto não cauterizar cada frincha cortada, não irás parar de vazar doçura. E ainda o tentas ocultar de mim, engolir, disfarçar... Se nota no ar, tolo. O ar à tua volta tem o cheiro pesado de caramelos. E não era para ter.
A alma assim infecciona. Assim a ferida não sara. Assim o bom não para de escorrer nunca e o mundo todo apodrece. Ou esqueces? Esqueces que o doce também arrepuna? Eu não esqueço. Não esqueço porque meu mundo já apodreceu inteiro. Sim, eu costumava ser doce também. Até me vazar a alma toda. Até se esgotarem meus confeitos coloridos. Até eu receber na cara a lavagem que é a alma alheia. Porque é isso que a alma deve ser: comida de se dar aos porcos. Com almas doces é que não se faz nada. Às almas doces só o desperdício.
Eta, eta,Linné, seus textos são lindos, esse até caramelo tem. "O ar à tua volta tem o cheiro pesado de caramelos. E não era para ter." Isso é muito bonito e fundo.
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