terça-feira, 9 de outubro de 2012

tERNURA-por Dilma Alencar.


Cúmplices em sim, sorriam à tarde, ao bar exótico, aos rapazes desejosos de suas companhias.  Uma, séria, falava de trabalho, de trânsito, de política, de pensadores pertinentes para repensar os novos paradigmas, a outra, irresponsável, radiava um cheiro de incenso, sorria, bebia. Tirou um livro sujo e velho dentro de sua bolsa de pano. Escreveu: língua e silêncio.
Saíram.
O sol invadia de luz e calor seus corpos nus, no chão da sala. Uma janela grande, com cortinas abertas, dava para um jardim, onde envelhecia um banco de madeira.
Na casa, o silêncio brindava à beleza das mulheres nuas. Acordaram com as mãos deslizando em procura, tato dizendo poesia, pele instruindo gozo. A libido, a febre.
Um espanto e um encantamento afloraram dentro daquelas mulheres ao perceberem que seus olhos brilhavam com uma intensidade nova, não se sabia se diabólica ou santa. Brilhantes, macias, quentes, surpresas daquela mansidão de tempo e espaço, como se o mundo dormisse pra sempre e lhes restasse apenas viver somando suspiros. Abriram a janela, um cheiro de terra molhada anunciou que do lado de fora também chovia.
Frutas em cima da mesa, água gelada e beijos longos: desjejum. Um derrame de carinho ininterrupto excitou mais uma dança.
As palavras se perdiam na sintaxe dos seus corpos, as interjeições eram setas, semânticas da carne e da água, eram os acordes dissonantes, mágicos.
O cansaço não veio, sorrisos e olhos claros incendiaram suas vontades, um nó de fitas coloridas enfeitava o tornozelo de uma, um brinco de coruja mostrava-se nas orelhas do outra, aos poucos descobriam uma à outra, pássaros dançavam nas costas desta, com umas letras que a aquela não decifrou, lhe encantou o mistério da costela, lhe excitava a tinta preta na pele pálida. Seu sorriso foi a melhor prosa já escrita pelas mãos místicas de uma doce desconhecida.
Foram maiores que o espaço da carne, os olhares eram faróis iluminando horizontes, a sala, o mar se fazia vertical no arrepio do umbigo, o inconsciente gozava aonde o paladar alcançava e enfeitiçava as duas almas com azul, a casa ia tomando um amarelo crisântemo.
Anoitecia.
Dispersos na sala: chaves, cereal, brincos, colares, lingeries, estojos, livro, lenços, lápis, celulares, perfumes, aliança.
Reuniram seus pertences, uma ficou, esta morava flutuante em ternuras e esperou até aquela noite pra dizer sim .  A outra voltou tonta, com duas toneladas de luz nos olhos, nunca mais se perderiam, se pertenciam em laço, nó, alma.
Nasciam duas deusas, choveu durante uma semana. Flores lilases molhadas enfeitaram a cidade, poucos notaram. 

6 comentários:

  1. Então é daí que vieram as lilases?

    Texto belíssimo. Desliza. Gostei muito do ritmo dele: "pensadores pertinentes para repensar os novos paradigmas". Sem falar no sentimento, deslizante e terno... um pouco de ar de luz.

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  2. Obrigada,Linné.
    São essas flores lilases.São.

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  3. Por Deus, quanta poesia e delicadeza.

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  4. Obrigada, moça! São essas flores lilases, primavera.

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  5. http://www.youtube.com/watch?v=BIaU1us81Ts&list=PLX18FogUDoGr_CUNHSsO7sASd-1-NajY7&index=1

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  6. http://www.youtube.com/watch?v=BIaU1us81Ts&list=PLX18FogUDoGr_CUNHSsO7sASd-1-NajY7&index=1

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