terça-feira, 12 de março de 2013

eLA VESTE PALAVRAS VERMELHAS - por Adilma Alencar.


Seu gato preto enrola o rabo na sua canela branca e macia, é dengo. Zanzando sem par, entre um cigarro e outro, ela lê Hilda Hilst e bebe muito, bebe com uma sede infinita.
É dia de semana, retina resplandecendo cinza, fumaça branca.
Curva o corpo em corpete, tira sutiã, pisa a pele macia e sente. Acende desejo de acidez e mel.
Entre as pernas, tremores de nervos.
Menina, quantos anos separam o meu desejo do seu?
Cabelo e fogo enrolando meus dedos entre suas vontades e caprichos, vaidade de quem mergulha porque tem fome e sede de nadar. Hesito.
Do lado de fora, os jornais noticiam mortes, os sociólogos inventam seus objetos de estudo. As putas, os gays, os militares, o paleontólogo, o mendigo, a virgem, a psicóloga e o porteiro do prédio seguem comprando comida, comendo a comida.
Escreve em seu ventre o desesperado desejo do gozo em rebentação e ritmo.
É vaidade sua exibir meus gemidos aos quatro ventos.
Sucumbir por fora aos ímpetos verborrágicos que seus traços liquefazem em minha língua é tarefa de enlouquecimento, é impossível em expressão, em nãos.
Tudo pulsa como um tambor tribal, como uma ressonância de cálculo de poro, a sustentação de meu passo é a greve de evitar o desabotoar de sua saia e blusa.
Em minhas coxas, eu sei, sonha deslizar sintaxe de piano, ser cenografia de madrugada e sexo.
O dia, do lado de fora do desejo, dá sombra ao ébrio que dorme na calçada, faz carinho aos casais nos parques lotados.
Ri como uma louca e à frente do meu passo, exibe seu all star preto, sua vontade de meu corpo como um troféu.
Engulo protocolos e não a vejo por dias, engaveto intenções.
Escrevo poesias de água, pretensa encomenda de um coração magoado.
No ônibus o calor de mil fantasias incide em raios colorindo os olhares perdidos, desencontros oblíquos, mulheres em pé de guerra, em arder de unha, numa distância de ofício, de face, de ruas inundadas,onde ratos espreitam o momento da mordida.
Fuma um, dois, três, quatro cigarros numa espera vã. Não chego, não olho, embora minha respiração embale minha febre.
A música vem de um violão antigo, o baixo soa, ondas de hipnose enfeitam meu desejo.
Eu me perco em papéis gastos, palavras frouxas, sinais do mundo prático.
Ela, nua de argumentos, sem saber despe minha armadura.
De cores escuras, ela veste vontades vermelhas que dançam em seu olhar dentro do calor do mês de março.
As tempestades derrubam as árvores, entopem avenidas de gente e lixo.
As rédeas, as redes, os pequenos ritos, inúteis tentativas de regrar uma ternura que escorrega em sins ainda desencontrados.
Fora do cotidiano ralo, da polidez anêmica, a menina segue derrubando muros e excitando modos imperativos.

Um comentário:

  1. Como não gostar do texto de alguém que usa, inclusive, a palavra "dengo".

    Lindo, Dilma.

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