segunda-feira, 26 de agosto de 2013

a QUE EU NÃO CONHECI - por Vinícius Linné

'Barren' by Daphne Ng


Se algum dia me perguntarem se conheci Beatriz, vou dizer que não. E, realmente, eu não a conheci. Não assim, como ela era nos últimos tempos. Se me disserem que encontraram meu brinco em sua mão, eu nego. O brinco não era meu, não importa com que força a mão dela tenha se fechado. (Cofre de joias em rigidez cadavérica.) Não importa o rasgo na minha orelha esquerda. (Cicatriz vespertina sem lágrimas expostas.) Se disserem que havia minha pele, meus pelos, meu DNA inteiro debaixo das unhas de Beatriz, eu ainda direi que é engodo, fabricação de prova, incriminação da mais pura e pérfida.

Eu não conheci Beatriz.

Eu não me apaixonei por ela. Eu não ouvi dela que minhas palavras eram nuvens de se flutuar, que minha voz tinha almíscar e ronronares, que meu canto a fazia mergulhar no que havia de doce e pesado no mundo.

Não. Eu não cantei nas noites de temporal para que Beatriz dormisse. Eu jamais a aninhei no meu peito e a deixei, fascinada, ouvir o meu coração pulsando. Eu jamais lhe beijei a boca agora cheia de terra, nem envolvi nos meus braços seus seios, decerto já encolhidos aos ossos das costelas.

Eu não conheci Beatriz.

Eu não falei com ela sobre a solidão e o ser. Sobre as almas irmãs e sobre a distância entre nós e o mundo. Eu não lhe descortinei os sonhos, despi os medos e teci os prazeres. Nunca, porque eu não conheci Beatriz.

Eu não sei nada sobre o que ela se tornou. As festas, as bebidas, os jogos, as máscaras. Eu não sei.

Eu não conheci Beatriz, a estranha que invadiu minha casa, que rasgou minhas telas e quebrou meus discos. Eu não conheci a Beatriz que me culpou pelo rumo que escolheu, que pediu de volta o que antes era seu, que implorou, bêbada e suja de sêmen, que eu lhe cantasse outra vez.

Eu não conheci Beatriz. 

Eu não matei Beatriz!

Não, eu não esqueci Beatriz...

3 comentários:

  1. Linné, Beatriz é um nome lindo, sua escrita é belíssima.

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  2. Sua Beatriz me encanta, me assombra, me espanta. Sua Beatriz me apaixona. E me mata. Sua Beatriz me arranca verbos.
    Bonito, Linné. Bonita!

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