quinta-feira, 21 de novembro de 2013

aPOCALIPSE - por Simone Huck

Acendo um cigarro imaginário e desço uma rua verdadeira. Troquei a palmilha dos meus sapatos. Estou mais alta. Estou mais curvada. Estou envelhecendo rápido. Tenho fome de flores e sede de nuvens. Estou caminhando para o fim do mundo sem mapa.

A mãe está cansada da quimioterapia. Estou cansada de mim mesma. Sento no balcão da primeira padaria. Ainda não é o fim do mundo. Estou na metade de um caminho desconhecido. Peço um café de crenças com pouco açúcar e um pão nosso de cada dia. Pouca manteiga. Não há fé no cardápio. Bendito seja quem acredita. Os dias são apenas uma estatística. Nunca gostei de matemática.

O café chega frio e duvidoso. O pão fala muitas línguas. Mentiras e verdades são batidas com leite, farinha de trigo e dúzias de ovos. Não reconheço onde estou. Minha boca não sente mais o gosto de algumas certezas. A vida é uma pedra de aspartame. Um experimento. Inúmeras probabilidades. Não consigo interpretar todos os dados. Nunca gostei de matemática.

Sombras entram na padaria. Ossos humanos dividem o mesmo balcão. Dúvidas coletivas se abraçam e recitam algum poema sem sangue. Somos todos amigos.

Tiro meus óculos. Espelhos do céu refletem minhas olheiras. Estou trocando de pele. Vou ser uma outra pessoa. A padaria é uma das paradas para o fim do mundo. Um pedaço de pão e um cálice de vinho. Estou na missa de sétimo dia das minhas crenças. Ninguém recitou o pai-nosso. Somos todos amigos. Pão e vinho. Café com leite. A padaria é uma igreja. Meu coração é um templo vazio. Santificado seja o café, a hóstia e as novas amizades.

"Amém". 

2 comentários:

  1. Bom, muito bom, isso. Muito bom.
    Você é boa em frase-tapa: curta, rápida, certeira.
    O melhor: nem dói.
    Gostei, Huck.

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  2. Si,eu adoro suas letras.Saudade de você.

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