quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

cONGESTIONAMENTO SANGUÍNEO - por Simone Huck

"Trânsito",  2013 -  Simone Huck

Você abre um pacote de bolachas dentro do carro mas não mastiga um tempo recheado de chocolate. Boca amarga. Semáforo vermelho. Você espera cinco minutos num cruzamento que não mata, nem salva. Não há estacionamento capaz de abrigar tanta estagnação. A vida não corre. Sua pressa é uma saliva frustrada. Engula o sangue. É vermelho.

Você engata a primeira marcha e sua traqueia seca tenta gritar alguma coisa que seus ouvidos não escutam. O mundo está surdo. Deus fala em Libras. Internamente você está em marcha ré, perdido num congestionamento que nunca mais te levou para casa. Você está em trânsito. O semáforo está verde. A vida é uma semente que ainda não pode ser consumida. Verde é imaturo. Amargo. Engula.

Pela janela do carro você derrama um olhar e uma vontade que molham a sarjeta do mundo. Sua solidão bate recorde de congestionamento. Seu GPS não calcula novas rotas. A hora do rush são todas as horas. O semáforo está amarelo. Mesmo sem saída você acelera. Há um tráfego intenso nos seus braços vazios. Há uma hora morta te esperando para o jantar. Há uma réstia de fé no fim da avenida cheia. Você acelera mas sabe que não chegará. Amarelo é um meio-termo. Uma escolha incerta. Cuspa ou engula.

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