"Trânsito", 2013 - Simone Huck
Você abre um pacote de bolachas dentro do carro
mas não mastiga um tempo recheado de chocolate. Boca amarga. Semáforo vermelho. Você espera cinco minutos num
cruzamento que não mata, nem salva. Não há estacionamento capaz de
abrigar tanta estagnação. A vida não corre. Sua pressa é uma
saliva frustrada. Engula o sangue. É vermelho.
Você engata a primeira marcha e sua traqueia seca
tenta gritar alguma coisa que seus ouvidos não escutam. O mundo está surdo. Deus fala em Libras. Internamente você está em marcha ré, perdido num congestionamento que nunca mais te levou para casa. Você está em trânsito. O semáforo está verde. A
vida é uma semente que ainda não pode ser consumida. Verde é
imaturo. Amargo. Engula.
Pela janela do carro você derrama um olhar e uma
vontade que molham a sarjeta do mundo. Sua solidão bate recorde de
congestionamento. Seu GPS não calcula novas rotas. A hora do rush
são todas as horas. O semáforo está amarelo. Mesmo sem saída você
acelera. Há um tráfego intenso nos seus braços vazios. Há uma
hora morta te esperando para o jantar. Há uma réstia de fé no fim
da avenida cheia. Você acelera mas sabe que não chegará. Amarelo é
um meio-termo. Uma escolha incerta. Cuspa ou engula.
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