"[...] vai cair tanta e tanta chuva que será como se a cidade toda tomasse banho. As sarjetas, os bueiros, os esgotos levariam para o rio todo o pó, toda a lama, toda a merda de todas as ruas."
{Caio Fernando Abreu}
Quando ouvi o primeiro trovão, eu soube que você viria com a chuva. Viria de lugares mais sujos que este, viria a escorrer pelo calçamento, a desviar dos bueiros, a ignorar os pingos grossos de chuva e glosa.
E eu ouvi sua voz em mim. Antes de ver o carro, antes de ver seu casaco encharcado, antes de ouvir as batidas na porta. Eu senti seu cheiro. Antes que a chuva lavasse seu corpo, antes que as flores despencassem com o peso das águas, antes que as crianças corressem para dentro de suas casas. Eu senti seu gosto. Antes de provar da chuva na boca, antes de soprar o fogo dos ramos, antes de chupar a última bala de cereja madura.
Eu soube, quando os ventos dobraram as árvores, que você viria com a chuva. E soube, também, que você não partiria ao final dela. Soube porque toda água escorre para algum lugar. Soube porque aqui era o mais baixo a que você poderia chegar. Soube porque sempre foi em mim que você desaguou, deixando pó, lama e merda, como no conto do Caio. Como no conto do livro que você me escreveu.
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