Às vezes, Clarissa tinha a impressão de que a vida, a vida de verdade, jamais começaria. Mas isso era antes. Agora, aos vinte e sete, Clarissa tem certeza. A vida, para ela, não começará.
É como se a vida fosse um baile de salão. Uma festa rica, em um salão iluminado de cristais, cujas janelas se abrem frescas para o verão e a noite. Um baile repleto de cetins e tafetás, lencinhos e valsas céleres. Um baile muito antigo e bonito para o qual ela não fora convidada.
Clarissa, no entanto, é feita de sutilezas e, sendo assim, ela descobriu o baile, ela ouviu a música ao longe, ela encontrou caminhos, ela desfez impossibilidades, ela espiou pelas janelas e entrou, enfim, no salão. Em vão. Entrou para descobrir que não pertencia àquele lugar.
A língua em que os outros cantavam não era a sua. Os passos da dança, ninguém lhe ensinara. Nada lhe diziam os panos, os lustres, as janelas e os cantos repletos de amassos do salão. Seria inútil, pois, ficar ali.
Mesmo assim, Clarissa ficou. De teimosa, ou de sutil, ficou a olhar a alegria que jamais lhe pertenceria. Ficou a se fascinar com a vida dos outros, mesmo que inventada. A marejar os olhos com as danças que ela nunca dançaria, a murmurar baixinho a melodia do que os outros cantavam à voz solta e que nunca seria dela.
Às vezes Clarissa percebia a verdade angustiada: ela era só um atrapalho no baile alheio. Mas logo ela fingia esquecer e voltava a se consolar, imaginando que algum dia a notariam. Que algum dia a convidariam para uma das mesas, ensinariam a língua e a dança e diriam o porquê terem esquecido o convite.
Nessas horas ela chegava a se imaginar amada. Coitada, ninguém a via. Nessas horas ela escondia sua certeza e tinha a esperança (de novo) de que a vida começaria, um dia.
Um dia...
me sinto tão Clarissa.... será que isso é bom ou ruim? rs.
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