Nunca vira antes um
azul tão bonito quanto o que incidia na saia dela, o cheiro do seu cabelo lhe
amolecia as pernas. A conversa seguia livre, temas variados: fé, sexo, drogas,
o preço do café, da cachaça, do estacionamento. Ela falava prosa ele ouvia poema
barroco, e devoto, já vendia a alma. Um rosário de imagens invadiu sua
possibilidade de corpo e espaço. Ela passava entre as mesas do bar, ele olhava
e rezava orações que desconhecia. O homem, inseguro, ousou tocá-la,
surpreendido pelo próprio impulso, acariciou o rosto dela e de presente os
olhos claros de cílios longos lhe derramaram uma ternura limpa e larga, ele
hesitou, teve medo de que os olhos dela silenciassem suas sombras.
A excitação de
primeiro encontro.
A pressa da primeira
transa o fizera esquecer as sombras, os sótãos, as ruínas que seu peito
abrigava. Sereno, prostrava-se nu diante dos olhos densos e ternos de uma
menina mulher. Corpo em fogo, sentiu um caco de vidro sangrar seu estômago, de repente suas mãos já
eram sangue. Recolheu as mãos, preocupou-se em cobrir os espinhos do peito, em
esconder a azia, os vãos no canto da casa, em esconder o corpo, em pegar a
coberta e dormir aquela hemorragia interna. A menina funda na sua devoção à
tristeza do homem, nem percebia as raízes verdes e fortes que lhe furavam o
estômago. O primeiro nó foi dado, regaram a tristeza um do outro, a ciranda do
desencontro crescia, ainda sem mãos dadas.
Ele sorriu, fingiu uma
alegria amarela, mentiu duas vezes em cada frase, ela retribuiu o sorriso e fingiu
acreditar.
Meses sem a encontrar.
Evitou o bar do primeiro encontro. Retomara as pétalas cinzas da memória. Comprou
sapatos novos, gravatas novas, fez a barba e mentiu pro espelho. A menina não
lhe arrancou os dentes amarelos, nem cuspiu nas suas velhas certezas.
O andar torto, os
olhos imprecisos, as pedras no casaco e um cinza que insistiu em ficar, assim a
moça de olhar de água o queria. No vão faltou carne onde escorreu verbo. O
preço do pão é caro, a alma pena.
Ele telefonou meses
depois, foi gentil e clichê, foi sincero e limpo, não forjaria alegorias vazias
numa primavera tão bonita. Ela aceitou o convite, ele a escutou e soube quem
ela era, no homem um encanto novo nascia, pensou em comprar roupas mais leves,
nela um cansaço despontava e teve preguiça de derramar novamente um olhar terno
num terno cinza tão gasto. A ciranda do desencontro crescia, mas nela a lua
sempre derramava certezas maiores que a rotina turva. Um dia sentiria as mãos
dadas e a ciranda.
Na semana passada
foram vistos de mãos dadas dançando na chuva. Incendiaram numa trovoada de
outubro. A água escorreu nos sapatos novos do homem e lavou o olhar da menina.
Sou COMPLETAMENTE apaixonada pelas suas palavras. Sua saudade, sua ânsia, suas construções. Quase sempre termino seus textos com olhos marejados.
ResponderExcluirÉ um prazer ter você neste blog, Srta Dilma !!!!
Parabéns saudoso.
Si
Obrigada, Si.É tão novo isso receber palavras gentis de quem eu sou FÃ, TIETE.Admiro e sou apaixonada pela suas letras e fotografias, esse seu olhar derramado no mundo. Sua arte, essa que minha cabeça sabe saramaguear, mosear, nietzchear. Um xeeeeeero.
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