terça-feira, 23 de outubro de 2012

o QUE PARECE-Dilma alencar


É incrível como o tempo passa, me disseram outro dia, eu pensei em você, sei lá, de repente uma saudade besta de lhe escrever cartas, eu adoro cartas, elas ficaram sem endereço quando você partiu.Eu queria dizer aquelas coisas bobas, dizer que você fica linda de sobretudo preto e batom claro ou de como aquela semana inteira longe quase me mata. Queria que você soubesse que eu continuo vendo o mundo com aquele “jeito torto” que você insistia em dizer que não era o melhor. Estou bebendo mais nos últimos meses, mal fiquei em casa esse semestre. A moça da biblioteca pergunta por você insistentemente e me olha com cara de interrogação quando pego livros de filosofia, meu humor não lhe responde nada.
Semana passada eu quis ter um filho. Eu pensei em você, eu deixei de pensar. Seríamos três. Seríamos tanto. Seríamos.
Exposições, shows, festivais, saraus têm preenchido o tempo, quando há tempo. Você sabe de minha interrogação do bom senso, das construções que engessam.
No sábado, encontrei seu olhar dissolvido numa tela de um artista famoso, eu que nada entendo de arte. Apartada das certezas dos espectadores da exposição, desci até o Anhangabaú, entrei num bar sujo, desses que você nunca vai conhecer. Bebi.
Caminhei junto com os sãos que transitavam pelo centro, que fazem refeições regulares, transam com a regularidade de uma missa e são felizes em seus corpos e casa.
Aprendi a fazer peixe grelhado. Eu sei que você gosta de peixe, mas só agora aprendi.
Eu vou embora da cidade, eu queria que você soubesse. Se eu pudesse escrever uma última carta, diria que eu vou ficar numa casa bonita com prateleiras verdes pros meus livros de poesia. Com um balcão dividindo a cozinha da sala. Ah, que eu estou lendo uma autora nova que lembra você de TPM, que você vai gostar da nova coleção da risqué. Que eu descobri teorias semânticas e autoras que pesquisam a retórica dos sentimentos. E que eu desconfio de tudo isso, mas amo a novidade. Na universidade tem umas flores brancas que lembram suas mãos.
 Continuo com minhas manias: andar por aí sozinha. Ontem fez uma tarde linda, eu quis dividir com você. Daria meu olhar só pra você, você guardaria meu sorriso.
Às vezes você dói tão bonito que se eu dissesse ninguém acreditaria. 

4 comentários:

  1. Eita moça, você tem um lirismo que é só seu. Gosto tanto que queria ter escrito (de novo). Você suspira leve. Xeros.

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    1. Obrigada, moça das cerejas.Suspiro saudade, já "leve".

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  2. Taí. O amor foi feito para ser narrado assim. O desamor também. Fica bonito.

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  3. Obrigada pela leitura e comentário,Silmara.

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