“Os números primos só são exatamente divisíveis por 1 e por eles mesmos. Ocupam seu lugar na infinita série dos números naturais e estão, como todos os demais, emparedados entre outros dos números, ainda que eles mais separados entre si. São números solitários, equivocados, e por isso encantam a Mattia, que às vezes pensava eu nessa séria apareciam por erro, como pedras enfiadas em um colar, e outras vezes que também eles queriam ser como os demais, números normais e correntes, e que por alguma razão não podiam.”
{Paolo Giordano}
Ele tomou desde sempre o cuidado de não ser um número primo. Para pertencer, para ser divisível, preferencialmente por 2, para ser normal e corrente. Por todo tempo foi difícil. A mãe já não o quis. Encontrou outra mãe, outro pai, outro conjunto ao qual pertencer.
Quando começou a época de ter amigos, sua natureza quase prima manifestou-se novamente. Não queria muitos ao seu lado. Evitava-os. Inventava desculpas para que não fossem à sua casa. E para não ir à casa deles também. Dava-se com os poucos números normais ao seu lado. Até eles se revelarem nem tão normais, nem tão correntes. Um número tentando ser par, cercado de ímpares. Não deu.
Os pais estavam ali, ao lado, mas também não se dividiam por ele. Ele queria atenção, alguém com quem brincar... Não dava. Os pais pensavam demais em números. O pai nos números a ganhar, a mãe nos números a gastar. Nenhum deles tinha minutos a perder. Não. O menino que brincasse sozinho.
Brincava. Mas arrumava cachorros e gatos para brincarem consigo. Ao conjunto deles é que o menino pertencia. Eram múltiplos comuns.
Depois o menino finalmente cresceu e se fez par. Agora sim, ele jamais seria um número primo. Ele não sofreria da solidão não amainada, da natureza estranha e intermitente daqueles indivisíveis. Agora ele não seria mais um número equivocado. O que ele esquecia, porém, era que o número 2 também só é divisível por 1 e por ele mesmo. Outro primo, portanto.
Foi na prática que ele aprendeu que nenhuma equação faria dele um número perfeito. É que não se ajustava mesmo. Não pertencia, embora teimasse em pertencer. Ele queria mostrar um filme a ela. Ela não queria ver. Ele queria dividir uma música que achara linda. Ela achava torturante. Ele queria interessá-la por um livro sensacional. Ela dizia nem adiantar, não queria mesmo saber. Ele queria passar um momento com ela envolvido em uma grande paixão: fotografia. Ela de novo não queria. Que ele parasse de importunar... Ele crescera, mas continuava sem ninguém para brincar.
Ele saia, então, como o menino que fora, sozinho, cachorro na mão, já sem animo de fotografar coisa alguma, descobrindo, finalmente, que a solidão dos números pares pode ser infinitamente maior do que a solidão dos números primos.
Por tudo eles se dividem, e são sozinhos. Mesmo cercados de iguais, mesmo normais, mesmo correntes, não há companhia possível. Cada número no seu próprio espaço. Encontrando-se rápidos em somas e multiplicações, mas só esperando as divisões, as subtrações. Cada número tão sozinho quanto o anterior, não importando se primos ou não. Os primos ao menos tem a consciência da própria solidão, viram-se com ela. O que fazer, porém, com a solidão dos números normais? E, pior, o que fazer com a solidão dos números pares? Ele não sabia. E por não saber ia, aos poucos, se decompondo...
"Cada número tão sozinho quanto o anterior" Eta, que letras mais bonitas, Linné.
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