Uma vez ele tentou amar. Uma vez só.
Era uma mulher de supermercado. A mais nova delas. Trabalhava na padaria, sempre envolta em baunilhas e pães doces. Parecia ser ela mesma doce também, com aqueles olhos cor de melado e aquela boca de morango em calda.
Todos os dias ele comprava pão, mas só uma vez tentou amar.
É que a menina, ele reparava, o olhava sem parar.
Era amor? Ele não sabia.
Era bom.
Passou a sorrir mais, a viver encantado, a fazer planos, esquecer tristezas, desgraças, já nem sonhava mais com o acidente.
Passou a ver flores, a ver que o céu era azul e até a gostar do calor do verão. Era verão naquela vez única em que ele tentou amar.
De repente ele parecia ter sentido. Parecia que podia ser amado de volta, que podia viver plenamente. Parecia, até, que podia ser normal como eram todos os outros.
E nessa vez ele traçou planos e deu sentido à vida. E escolheu roupas novas e comprou perfume caro. E no dia em que choveu ele até tomou banho de chuva, como se fosse criança.
Nunca fora tão feliz.
Nunca fora tão solitário.
Sim, porque agora sentia falta, sentia umas solidões imensas. Queria tê-la para si, mais, muito mais do que aqueles minutos na compra do pão. Descobriu as amizades dela, os horários, tramava encontros, coincidências e ela sempre olhando.
Ficou sabendo, então, que ela estaria numa quermesse qualquer. Convidou um amigo e lá foi também. Na festa, ela não parava de olhá-lo. Era total a realização...
Era amor. Era verão.
Confidenciou ao amigo:
— Veja aquela moça... Ela não para de me olhar...
O amigo, ligeiro, respondeu:
— Ah, imagino como deve ser chato isso para você. Mas fazer o quê? Essas cicatrizes no seu rosto chamam mesmo muito a atenção.
Naquela noite, os sonhos com o acidente voltaram. E ele trocou de supermercado, de padaria, trocou de coração, de ruas, de encontros. Trocou até de estação. Para ele, nunca mais foi verão.
Eta,Linné .Como você tece essas coisas bonitas e mansas? Isso é um desaguar de abismos e flores, um terreno baldio que dói.Sempre fico mais besta depois de ler seus textos.Bonito, bonito.Parabéns.
ResponderExcluirQuem tece, Dilma, é a vida. Eu só transformo em alguma coisa azul.
ExcluirQuem tece, Dilma, é a vida. Eu só transformo o que ela dita em qualquer coisa azul.
ExcluirDizer o quê, né? meu coração acelerou.
ResponderExcluirEntão o texto voou para o lugar certo.
ExcluirVontade de entrar na crônica, chegar na quermesse, quebrar a cara do tal "amigo" e dizer pra ele que ela está olhando a alma, o coração, o jeito dele de tb retribuir o olhar. Gritar com ele dizendo que é sim AMOR e que é sim VERÃO e que ele pode SIM sonhar e ser feliz.
ResponderExcluirAi que impotência !!!!!!
Bonito e triste, Linné.
Bjs,
S