terça-feira, 13 de novembro de 2012

Metáforas brancas e vermelhas - por Dilma Alencar.


Terá coragem?
Coragem de me ver nua?
Rasgar minha saia? Numa metáfora de sangue alcançar as pedras atrás das nuvens?
Minha calma é proporcional à distância que você está.
Eu nunca inundei você do mar que minha carne chora.
Você aguenta o bicho arisco que habita a largura dos meus dias de solidão? Meus demônios estão secando ao sol, estendidos no varal, junto com as camisas brancas que quaravam na manhã que você partiu. Uma manhã de primavera, na qual as cores incidiam beleza de túmulos.
Na beleza dos milagres: do sol nas bolhas de sabão, das primeiras sílabas de uma criança cingindo mãe em mantra, dos olhos construindo contos com os bocejos preguiçosos dos operários do caos, do milagre do sangue entre minhas pernas me fazendo bicho, me fazendo fêmea, do tempo marcando o rosto, o rastro, nesses milagres eu choro a alegria do pão, do mato, do nervo, da gengiva.
Esses milagres fermentam a loucura duradoura de uma solidão colorida dissolvida num gozo singular que seus olhos femininos apedrejaram.
No meu afeto baldio nasceram girassóis para iluminar sua alma em assonâncias ofegantes e suadas.
Lágrimas escorreram nos nossos lençóis sujos de vodca e água. Minha natureza arisca gemeu pelos mortos sob a cama ordinária. Eu e você, ali, agonizávamos a tentativa de encontro, sombras do que foram mãos deslizando em cio, do que foi fome comendo instinto e cuspindo alma no canto do quarto.
Uma tragédia tão bonita como um poema barroco.
Mas lá fora, a vida seguia o rumo ordinário dos sentimentos enlatados.
Devorávamos os dias da semana como quem come sem fome, como quem não sente.
Onde ficou a força dos dentes brancos?
 À flor da pele: o espanto.
Qual o espaço dos milagres na ordenação miserável dos dias?
Os automóveis são estúpidos, um poema não pode ser comido. O poder medíocre comanda o mundo, nossa cama caiu num abismo sem prólogo, prazo, ou ingresso.
Há coragem para uma metáfora de sangue?
Se eu construir um quintal e soltar minha loucura sob o sol das três, se eu cantar minhas angústias no eu colo terno, seu eu sangrar seus olhos com uns espinhos e pedras que às vezes escorrem do meu peito?
Os copos descartáveis sob a mesa sujam de metáforas brancas o amarelo que entra pela janela. Eu fumaria, fosse eu fumante. Quis ser mesmo foi fumaça.
À míngua, esperam-se gotas de amor ao final da tarde.

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