imagem retirada do blog do Guillon
Não tenho filhos que
me questionem contradições. Nem marido para que eu exerça uma
paciente disciplina cinza. Eu não conseguiria, sempre soube. O
silêncio da minha casa abriga e não obriga.
Sempre colecionei
coisas. Com o passar dos anos, o hábito pelas caixinhas permaneceu.
Tenho uma estante repleta delas. Várias formas, materiais e
dimensões. Algumas trazidas de outros lugares, outras, presentes de
amigos que sabem do meu distinto gosto: que seja diferente e que
tenha um formato diferente. Talvez eu mesma seja assim: uma coisa
diferente num formato diferente. Quantas vezes sou apenas acúmulo?
Não me encaixo em quase nada. Nem em mim – penso em "A
Fonte”, de Duchamp e “Merzbau” de Kurt
Schwitters. Sorrio um sorriso amarelado pela cafeína.
Mais um dia está amanhecendo. Escovo os dentes
enquanto ela continua deitada na minha cama queen - minha
solidão precisa de espaço. Sua estadia em minha cama é passageira.
Minha independência segue preservada. Termino de escovar os dentes e
essa certeza me faz respirar melhor. Talvez eu ainda seja uma mulher
das cavernas.
Passo o café seguindo
a mesma métrica diária. Quem mora sozinha há treze anos não
pertence a mais nada, só as métricas de si mesmo. Quase sempre,
errôneas. A vida deve ser uma soma em constante subtração. Café
muito forte com açúcar na medida. Nem mais, nem menos. Ilusões são
muito doces. Realidades, muito amargas. Meu café que fique no meio
termo. Ponto. Adoçante é proibido no meu copo. Só está no armário
para alimentar algumas formigas gordas no anual êxodo da toca fria
para meu apartamento quente – está chegando o verão e as
formigas - ou para agradar as poucas visitas. Adoçantes foram
feitos para línguas de titânio, que não sentem o sabor terrível
da fenilalanina. Jamais vou conseguir entender isso. Há obviedade em alguns sabores.
Enquanto passo o café
meu olhar se perde na fumaça que minhas lembranças insistem. Há
imagens que jamais apagaremos. Desista. Impregnadas em todos os
cômodos do mundo, seguem resistentes em seu ofício de ser um
passado que não mais habita nosso presente – prefiro algumas
caixas de presente mais do que o presente.
Já não sou mais a
mesma. Talvez eu fosse melhor ontem. A atual imagem da minha consciência no espelho, me
assusta. Os anos encheram-me de verdades que jamais quis ver.
A sobriedade beija
minha boca com seus lábios carnudos e quentes. O hálito de mais um
dia recomeça. Estou mais próxima da minha morte, Catarina.
Inevitavelmente vou ao seu encontro. Acenda um hollywood para mim
também. Quando eu chegar, fumaremos um cigarro juntas e a fumaça
não mais desenhará coisas que não saberemos explicar – nada supera o prazer de fumar hollywood com você, Catarina.
Fiz bem em lhe cobrar o atraso na postagem. O feriado fica melhor assim.
ResponderExcluirIa pinçar algumas frases favoritas e colar aqui, para reiterar minha admiração, mas vi que ia ter que colar o texto inteiro.
Beijos,
A programação da postagem falhou, Silmara. Mas ainda bem que tenho amigos atentos como você e mesmo em outro estado, consegui uma conexão no meio do mato e publiquei. Obrigada pelas palavras. Bjs, S
Excluir"Talvez eu mesma seja assim: uma coisa diferente num formato diferente. Quantas vezes sou apenas acúmulo? Não me encaixo em quase nada. Nem em mim – penso em "A Fonte”, de Duchamp e “Merzbau” de Kurt Schwitters."
ResponderExcluirPosso quase usar de descrição.
Cada dia sou mais "Merzbau", Linné !!!
ExcluirBjs,
S
Simone, boa noite! Desejo lhe enviar um texto. Como faço? Leio a resposta por aqui.
ResponderExcluirGrata
L.
Boa noite, L. Encaminhe para o meu email: simonehuck@gmail.com Aguardo. Abraço, Simone.
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