As mãos brancas e enrugadas teciam um suéter amarelo, no sofá, ao lado
da janela em que o dia se abria quente, ela pensava com doçura na chegada de
seu par.
Nesse dia, acordou antes das seis, olhou a pia: um prato, um copo, uma
colher, era o retrato da noite passada. Lavou a louça, engoliu seu comprimido
branco, tomou leite morno e agora tecia a possibilidade vã de um encontro.
A senhora vivia com vigor a cara solidão que alargava os móveis,
quadros, livros, às vezes se sentia acuada diante daqueles objetos que cresciam
em seu silêncio.
Acordou com um gosto de vento de chuva na língua. A mulher habitava a
casa como um bicho arisco, como alguém que quer estar nu, como quem precisa da
crueza das respostas em tudo que elas ovulam, fermentam, fincam.
Os anos marcaram sua pele branca, só os olhos fuzilavam de brandura, de
mar, de horizontes, quem quer que os fitasse por alguns segundos.
Uma alma em arco-íris talhada no silêncio de uma vida de paixões que a
eternizaram.
Nas paredes de sua casa, as fotografias sorriam o visgo dos encontros,
das festas, dos sacralizados gozos efêmeros.
Ela abriu a porta da cozinha, no quintal suas flores bem cuidadas
coloriam, com graça e cheiro, a manhã. A
laranjeira, molhada da forte chuva da noite, exalava calma e frescor.
A senhora se sentou no chão da cozinha, colocou o suéter, a linha e a
agulha sob a cadeira de madeira que às vezes se sentava para esperar um pássaro
cantar.
Tirou suas meias brancas e foi até o quintal, pisou na terra fofa que
cobria as raízes da laranjeira, segurava os galhos mais grossos da planta e
afundava os pés na terra molhada, sentindo uma unção nesse instante absurdo.
Sentiu por uns minutos um pertencimento e fincava cada vez mais o pé na
terra, até sentir com nojo e espanto uma minhoca magra e cumprida entre seus
dedos.
O nojo assustou a mulher, mas seu sentimento de nojo era o de quem já
equilibra os próprios demônios e sabe reconhecer deus rente ao horizonte ou sob
seus pés de pele fina e bem cuidada.
Ela se despiu, regulou o chuveiro, quis água fria. Depois que água e terra desceram pelo ralo,
ela parou de repente, um barulho oco e pesado veio da cozinha.
Viu a sua santa Luzia transformada em 21 cacos, perto da mesa.
Limpa da terra e da primeira saudade do dia, agora faria pão, coaria
café e voltaria a tecer o suéter inacabado que deixara sob a cadeira.
Vinte anos, exatamente vinte anos repetindo uma espera vã. A morte nunca
lhe responderia, ela logo morreria com suas memórias e os inumeráveis suéteres
amarelos que ocupavam seu guarda-roupa e seu colo.
Pesou-me este um bocadinho, como sempre pesam sobre mim as longas e loucas esperas. Talvez porque seja, também eu, um esperador.
ResponderExcluirOi, Linné. Longas esperas...cismo com essas coisas, cismo, e nem sei o que tecer. Um xero. Grata pela sua leitura, me deixa contente.Sucesso nos seus escritos!!!
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