(Imagem retirada do site espalhafactos.com)
Seus olhos vermelhos denunciam a ausência do sono.
Meus cabelos brancos denunciam minha idade.
Há sempre um inquilino reinvindicando a posse da nossa casa.
Há sempre um impostor roubando ou o nosso sono, ou a nossa idade.
Tentei ser psicóloga de cabeleireiro nas duas horas que seguiram. Para todas as minhas perguntas ele respondeu "não". Não consome drogas. Não fuma. Não pratica sexo. Não tem namorada ou namorado. Não ingere bebidas alcóolicas. Mora com os pais. Está feliz no trabalho e não está em nenhum financiamento. Por um breve momento, acreditei que a privação disso tudo é a causa da inexistência de sono. Como alguém pode dormir assim? Que vida branca é essa? Eu não dormiria. E teria mais cabelos brancos.
Mesmo assim, insisti, e ele seguiu respondendo "não" para todas as demais perguntas que nem ouso citar. Não somos tão íntimos assim. Ele deve ser amigo apenas dos meus cabelos brancos que em suas mãos, se multiplicam.
Ele tentou ser psicólogo de escritora nas duas horas que seguiram. Para quase todas as suas perguntas a minha resposta foi "não". Ainda pratico alguns problemas. Minha vida não é branca, só os meus cabelos. Talvez por isso, eu durma. Segui respondendo "não". Não somos tão íntimos assim. Sou cúmplice apenas dos seus olhos vermelhos. Em algumas noites, bebo goles da insônia herdada de um pai que não dorme quase nunca. Ainda estou no lucro. Apenas os cabelos brancos vencem.
Ansioso, ele buscava uma resposta. Tentei lhe convencer que tudo se tratava apenas de uma greve neural e que em breve as negociações cerebrais chegariam a um acordo e ele retomaria o sono. Há sempre uma guerra precisando de paz em algum lugar da gente.
Ansiosa, eu buscava uma resposta. Ele tentou me convencer que cabelos brancos eram charmosos. Não conseguindo, mostrou a nova coleção de cores de tintura da Koleston, falou das luzes, do vermelho e até elogiou minha idade. No final, ousou dizer que uma mulher de cabelos brancos é charmosa. O sono faz a gente omitir. A ausência de sono, mentir. Ele não me convenceu. Eu não escolhi nenhuma cor. Ele seguia com sono. Eu seguia branca.
Debaixo de suas mãos sonolentas, meus cabelos forravam o chão. Parecia que só os pretos eram cortados enquanto os brancos, impunes, faziam greve de força sobre meu couro cabeludo.
Contra os neurônios e contra o tempo, não há remédio. Estamos todos fadados a não dormir na revelia das sinapses ou a morrer no desgosto do sucesso frêmito dos tons de cinza.
Adorei, adorei seu texto.Gosto sempre, é sempre bonito de ler.
ResponderExcluirUm xero.
Obrigada, Di. Pelo carinho, olhar e leitura.
ExcluirBeijão, S.
Bravo!
ResponderExcluirBravíssimo!
São os cabelos do mundo, despenteado as ideias.
Obrigada pela leitura, Franco.
ExcluirBeijos,
S.
Amei esse texto! E agora, estou aqui naquele passo quase lá de ir comprar a tinta e pintar em casa, ou... ir no salão e ouvir aquela história básica " nem parece que tem 5.0", como se eu não soubesse que os tenho, meu joelho sabe!!! rsrs... pois é...
ResponderExcluirObrigada pela leitura, Tânia. Há impressões que sempre estarão além. Acostumem-se os joelhos ou não...rs. Abraço,
ExcluirS
Fiquei aqui a imaginar todas as precipitações junto a pele, os desconfortos, os desfarces para nossos medos e receios. Tantas coisas para ter que engolir a certeza que a velhice, seja esta do corpo ou da alma, em algum momento se impõe como dia seguinte. Claro que há muitas maneiras de envelhecer, com prazer ou desgosto. E pra isso há muitos tons. rs
ResponderExcluirbacio