segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

os CANSADOS - por Vinícius Linné


— Whisky?
— Não, obrigado.
— Cigarro?
— Você sabe que eu não fumo.
— Pois devia. Eu mesma não sei o que faria de mim sem o cigarro. O cigarro é capaz de justificar toda uma existência, sabia? O que você faz para se entregar ao beato momento de ser? De estar sendo? De se deixar em uma praça, em uma janela, à porta de um desses modernos edifícios? Sim, porque eu fumo. E ninguém questiona então. Eu  posso parar e olhar a vida, pensar em mim mesma, viver a glória passageira do momento... E minha desculpa é fumar. Qual a sua?
— Viver?
— Não. Não é uma boa desculpa. Eu posso dizer “estou fumando”, caso me chamem. Você pode dizer “estou vivendo”?
— Creio que não. Não sem soar feito um louco.
— Ah, a loucura é uma desculpa melhor. Lembre-se disso, querido.
— Engraçado você dizer isso.
— Por quê? Você não parece ser do tipo que acha a loucura engraçada. Não. Você parece ser daquelas que a levam muito a sério.
— E sou. Mas é engraçado porque, antes de eu conhecê-la, disseram-me assim: A essa não se conhece sem enlouquecer.
— E estavam certos?
— Completamente.
— Que bom, então. Já que não lhe contamino com meu vício, ao menos com a loucura então. De algum jeito é preciso para suportar.
— Eu sei. Tenho lembrado muito de você.
— Ainda com aquele trabalho? Qual é mesmo o mote? Decodificar o que eu codifiquei sobre o divino?
— É, de certa forma é isso. Mas não é só por isso. É por uma frase. Uma daquela entrevista.
— Ah, antes não tivesse feito aquilo. Estou feia.
— Não está não.
— Af. Qual é a frase?
— “E só estou triste hoje porque estou cansada”.
— Ah, essa. Foi talvez a maior verdade que disse ali.
— Mesmo? Eu julgava que era uma mentira.
— E você ainda diz que me conhece? Que compartilha da minha loucura? Ah, não. Foi a verdade maior.
— Não entendo, então. Penso nela porque também estou triste. Mas finjo ser só cansaço. Como se cansaço fosse “só”.
— O que eu queria mesmo dizer, a essência mesmo, era que eu já não estava só triste. Estava era cansada de ser triste. Mas não falei. Seria demais pra quem visse. E há coisas das quais devemos poupar os olhos de quem nos vê.
— É... posso dizer que é o que eu sinto também.
— Pode, mas não devia. Você é muito novo para ter meu cansaço de ser triste. Ou minha loucura. Ou a fumaça do meu cigarro lhe cobrindo o rosto.
— Eu sei. Mas sinto tudo em excesso. E o excesso me castiga e machuca.
— Não quero falar sobre isso. Não hoje. E você também não devia. Vá lá com sua pequena, beba um whisky,  fume um cigarro, contorne a solidão e a crueldade de se sentir. Deixe-me só um pouco.
— Mas eu vim porque hoje...
— Não diga.
— Em todo caso, eu queria...
— Não queira. O homem é refém daquilo que quer. Não queira, querido.
— Bom... vou indo então.
— Faz bem.
— Antes disso, só... parabéns... Clarice.
— Obrigada, Vinícius.

2 comentários:

  1. Bela homenagem, Vini.
    Imaginar vcs dois, em carne e osso dialogando, não tem preço. Seria exatamente assim.
    Lindo, lindo !!!!!
    Bjs,
    Si

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  2. Viva, Clarice vive .
    Coisa bonita, até Macabéa sorriria.
    Parabéns, texto bonito, tomaria uma cachaça ouvindo vocês.
    Um xero.

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