Ele não cabia na rotina que escolhera: a ambição, a promoção, o carro do
ano, as roupas compradas em lojas caras, os amigos tão inteligentes quanto
previsíveis, as viagens, o turismo óbvio, os livros sujos e relidos, a angústia
dos relógios na parede, o labirinto dos bares.
Ganhara um relógio azul de sua namorada, ela disse que seu pulso pedia
um, ele fingiu acreditar.
Ela queria filhos, feriados em filas de supermercado, em hotéis de
cidades vizinhas.
Ele teve vergonha de admitir para os amigos que, nos últimos dias,
chorava sozinho.
Outro dia ele saiu sem o carro, sentia-se entediado e foi à rua andar e
fumar. Andando pela calçada, inquieto pelo mal estar que fazia morada em seus
ombros e passos. Perto da portaria do prédio, ele viu uma mulher sentada na
calçada, com um filho recém-nascido. A cabeça da criança estava amarela, uma
casca grande e oleosa cobria o cabelo fino.
O rosto da mãe era um anúncio de fome e terror, ele passou fazendo um
esforço, que nunca fizera antes, para não vê-los.
Andava assim, sentindo fundo, demasiado doer alargava o peito daquele
homem comum.
Os discursos mentiam. Nunca fora homem ignorante, o contrário disso,
assimilava novas ideias, opinava sobre a economia da Grécia, as cotas em
universidades e a democracia utópica dos partidos de esquerda.
Estava compadecido, sim, compadecido. No transito, o automóvel parado,
fechava os olhos, passava as mãos pelo rosto, com força, e quando abria os
olhos, sentia-se ridículo, estúpido. Rude em sua natureza, sua roupa bem
passada, os ponteiros precisos lhe medindo passos.
Viu um menino fazendo malabares, o olhar do homem era largo a ponto de
também ser o menino, sentia fundo o corpo raquítico, o pé de pele grossa não
poupava o calor do asfalto, doía.
Suspirou, soluçou, o trânsito fluiu, ele acelerou e seguiu o fluxo dos
itinerários.
Todos notaram, mãe, primo, namorada, o porteiro.
O homem tinha um ar de zumbi, fumava cada vez mais, chorava escondido.
Semana de natal: a avenida vermelha, verde e dourada ampliava a
compaixão de suas lágrimas insanas, as ligações da namorada se perdiam, as buzinas,
os anúncios, as putas, os bêbados, a secretária, a secreção... Tudo enojava e
entristecia o homem.
Ele se interrogava, será sexo? Dinheiro? Não. Seu corpo respondia com
precisão , sua namorada correspondia ao acessório mudo que ele sempre quis e
mereceu, era prático, dizia, era seco, diziam.
Não transava, não dormia por mais de duas horas sem um pranto que
cansasse seu corpo para um novo sono pesado e curto, quase um desmaio.
A família falava de natal, era dezembro.
A ceia era farta e previsível e todos lhe sorriam com uma bajulação irritante, ele se sentiu retardado e sua cara grave era de uma palidez esverdeada.
A ceia era farta e previsível e todos lhe sorriam com uma bajulação irritante, ele se sentiu retardado e sua cara grave era de uma palidez esverdeada.
Conversou gentilmente com todos, falou do excesso de trabalho naquele
ano, disse de planos para janeiro e sorriu.
Algumas palavras mentirosas foram repetidas e cortaram o peru natalino,
garfos e facas grã-finos abriam a carne macia da ave e as bocas e estômagos
enchiam-se de satisfação da tarefa feita e sentiam-se melhores e ternos.
Alheio a tudo isso, o homem lutava contra o choro compulsivo e torrente
que lhe transfigurava a face e lhe fazia doce.
Como um menino, ele foi levado pelos enfermeiros de um uma clínica
psiquiátrica.
A família lamentava a necessária internação, as luzes natalinas
continuaram piscando, absurdas, sua namorada, tão bonita quanto uma joia cara,
chorou elegantemente e não o acompanhou.
Dizem que lá na clínica, ele desenha arco-íris e chora muito em noites
de chuva e ri como um monge quando tem luar.
A família paga pelos cuidados e lamenta pelo homem, vítima de um estado
depressivo, assim dão nome à linguagem que não entendem.
Já li e reli várias vezes... Imprimi e guardei no bolso da calça. Choveu pelo caminho, as letras borraram a história. A chuva não borrou o que sinto todas as vezes que leio...
ResponderExcluirJá te disse todo o restante pelo celular.
Bjs admirados,
S
Obrigada, Si.
ResponderExcluirUm xero.