"Cabo da Roca - Sintra, 2012"- Simone Huck
Comprou o ramalhete de
flores mais bonito e um cartão para escrever durante o percurso.
Acenou para o ônibus vermelho e sujo na Av. Sumaré. Passou o
bilhete sem dizer bom dia ao cobrador. Sentou ao lado de sua mudez.
Não havia grandes palavras.
Sem perceber, começou
a despetalar as flores. Uma por uma. Pela janela, a chuva umedecia
intenções de coração enquanto seu olhar era lavado com a paisagem
que passava rápido. O chão do ônibus, repleto de rastros molhados,
lentamente transformou-se num tapete de pétalas sonâmbulas. Quem
via, não ousava dizer nada. No ar, pairava uma vontade coletiva de
choro. Os passageiros – cinzas - ajustavam seus cachecóis de uma
maneira mais apertada ao pescoço e engoliam sobras de suas próprias
vidas. Junto a pingos de chuva ácida, espinhos entravam pelas
frestas das poucas janelas abertas. Em segundos, o ônibus ficou em
total silêncio. Flores escorriam pelo assoalho molhado de um lado
para o outro. A vida desapareceu no caminho.
Desceu dois pontos
antes do final com um ramalhete de galhos enrolado a um papel opaco e
amassado. Agarrado a intenções mortas, apertou a campainha do
sobrado azul e, antes mesmo de qualquer pessoa aparecer, deixou o
ramalhete de galhos no pé do portão, com um cartão em branco.
A viagem o libertou de
bem-me-queres e malmequeres.
Que belo retorno!!!
ResponderExcluirUm anti-ramalhete, um anti-cartão.
ResponderExcluirGostei da paleta de sentimentos da nova crônica, Huck.
Belo retorno, alguém já disse.