quinta-feira, 27 de junho de 2013

aLIANÇAS - por Simone Huck


"Cabo da Roca - Sintra, 2012"- Simone Huck

Comprou o ramalhete de flores mais bonito e um cartão para escrever durante o percurso. Acenou para o ônibus vermelho e sujo na Av. Sumaré. Passou o bilhete sem dizer bom dia ao cobrador. Sentou ao lado de sua mudez. Não havia grandes palavras.

Sem perceber, começou a despetalar as flores. Uma por uma. Pela janela, a chuva umedecia intenções de coração enquanto seu olhar era lavado com a paisagem que passava rápido. O chão do ônibus, repleto de rastros molhados, lentamente transformou-se num tapete de pétalas sonâmbulas. Quem via, não ousava dizer nada. No ar, pairava uma vontade coletiva de choro. Os passageiros – cinzas - ajustavam seus cachecóis de uma maneira mais apertada ao pescoço e engoliam sobras de suas próprias vidas. Junto a pingos de chuva ácida, espinhos entravam pelas frestas das poucas janelas abertas. Em segundos, o ônibus ficou em total silêncio. Flores escorriam pelo assoalho molhado de um lado para o outro. A vida desapareceu no caminho.

Desceu dois pontos antes do final com um ramalhete de galhos enrolado a um papel opaco e amassado. Agarrado a intenções mortas, apertou a campainha do sobrado azul e, antes mesmo de qualquer pessoa aparecer, deixou o ramalhete de galhos no pé do portão, com um cartão em branco.

A viagem o libertou de bem-me-queres e malmequeres.

2 comentários:

  1. Que belo retorno!!!

    ResponderExcluir
  2. Um anti-ramalhete, um anti-cartão.
    Gostei da paleta de sentimentos da nova crônica, Huck.
    Belo retorno, alguém já disse.

    ResponderExcluir

o Febre CRÔNICA agradece sua leitura e comentário.