terça-feira, 4 de junho de 2013

jUNHO - por Adilma Secundo Alencar.

Junho em São Paulo, as moças já desfilam meias quentes, colorindo as pernas e a avenida. O  cinza que cai tão bem à cidade se faz cenário para novos amores, para desenlaces de outono, para datas.
Uma mulher costura vestidos longos para a filha mais velha, uma jovem tricota um cachecol colorido para aquecer e enfeitar o corpo, um casal empolgado no primeiro ano de namoro compra passagens para o calor do nordeste.
Uma mulher lê Foucault e escreve sobre a loucura nas entrelinhas do discurso televisivo, um menino de 12 anos se masturba pensando na professora de 20.

As margaridas amarelas saltam esplendidas nos dias gelados, os ambulantes vendem meias, capas de chuva, cobertores, tapetes. Os ônibus lotados de pessoas e solidão seguem para o centro, o desespero estrangulado pelos números do holerite segue mais uma fila num terminal qualquer, a fé pré- datada pela violência dos que forjaram os milagres segue fazendo orações condicionais.

É terça, não é feriado, um homem não segue a marcha da ordem diária. Ele dorme sob cobertas sujas, deitado no concreto da Álvares Penteado, um livro do Neruda no bolso do puído paletó azul. É feio, os dentes podres não alegram nem sua feição, nem o humor dos transeuntes que ele aborda, 39 anos, graduação em filosofia, viagem à Índia e o maior amor do mundo tem os olhos audaciosos e infiéis como devem ser os olhos de imperadores. No meio do caos e das pulgas, seu fiel escudeiro é um vira lata marrom, de olhos vagabundos e voláteis. É Junho e os comerciais de T.V. já dizem do dia dos namorados. Na esquina de um café perto do Largo São Francisco, um rapaz eternamente nordestino põe a farda e o fardo de tudo que lhe falta e segue servindo aos homens de paletó preto que ocupam as cadeiras da academia, pelo discurso se mantém a opressão, pelo curso do açúcar até à mesa, o homem do lado de fora do balcão pergunta do jogo, o rapaz responde à gentileza óbvia das conversas ditas possíveis. As putas dormem o sono do cansaço e a dor da alma violentada nos programas, o rosário de contas rosa junto às camisinhas de embalagem colorida. Cio não é sina, rezava baixo pelo cansaço da voz, por ter cansaço no ritmo, por ter entre as pernas a insistente cólica de todas as manhãs.

Um homem espera com uma alegria abafada e apertada dentro do peito o nascimento do seu primeiro filho, quantos nascimentos esperados? A cidade abriga a vida de amores, de solidão, de ambição, de saudade. Uma moça dança nua num apartamento frio e pequeno da Bela Vista, um homem compra um berço branco para o filho, no Grajaú um aniversário de 15 anos é esperado como um casamento. Não é em vão. Os retratos enfeitam a parede, não é em vão.

É Junho, a multidão segue cuspindo na dor, apertando o calo, gozando uma memória, uma mania, gozando a feiura que a cidade mais bonita pode dar. A cidade cresce.



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