segunda-feira, 10 de junho de 2013

cOMO bENTINHO E cAPITOLINA - Por Vinícius Linné

Eram vizinhos. 

Uma rua e uma casa de distância.

O telefone (1410 o dele e 1527 o dela) era vigiado por extensões e controlado por mães atentas. Logo, não era a forma mais eficaz de se comunicarem. Precisavam inventar algo. Algo que fosse só deles. Algo secreto e complicado. Algo que mãe nenhuma desvendaria.

Primeiro criaram inscrições em código, feitas a giz na calçada dele - ela não tinha calçada. Para ela era um pânico só, parar ali, desenhar um sol, um gato, uma flor e seguir, seguir como se não fosse insano desenhar na calçada alheia. Ainda mais não sendo assim tão criança. Além disso, havia a chuva, as mangueiras, a falta de giz, gesso e tijolo...

Não, precisavam de algo mais sofisticado.

Criaram latas de correspondência. Latas que podiam ser amarradas na cerca e derrubadas entre as flores, para que ninguém as visse. A casa dele tinha um matagal, a dela era limpa de plantas. Logo, a lata dela ficava exposta e as cartas, mesmo em código, eram pegas pela mãe em fúria.

Precisavam de algo mais sofisticado ainda.

Ele pensou em um sistema de roldanas que atravessasse a rua por cima dos postes. Da bergamoteira nos fundos da casa dele até a ameixeira nos fundos da casa dela. Logo, porém, deu-se conta das impossibilidades.

Quem sabe um telefone daqueles feitos de copo? O fio atravessando a rua, sendo abaixo e recolhido quando não fosse usado? Os primeiros protótipos revelaram o fracasso da ideia.

Ele comprou, então, um walkie-talkie japonês. Era a solução perfeita! Pelo menos até o aparelho ser ligado e transmitir uma longa série de chiados, enquanto um olhava para o outro (a uma rua e uma casa de distância), a fazer sinais de aflição.

O walkie-talkie tinha uma vantagem, porém. Um código Morse impresso! Em um livro de Pedro Bandeira, ele aprendeu como usar o código, sinalizando com lanternas de brinquedo. Combinaram um horário. Um horário em que ele sempre esperava na janela do quarto e ela nunca aparecia na janela do banheiro.

Um dia ela apareceu. Suspense.

Piscadelas longas e curtas. Curtas e longas e curtas e longas ou seriam longas e curtas?

L-I-V-R-O-S-A-T-A-N-A-S-M-E-R-G-U-L-H-O-M-A-Ç-A

Livro satanás mergulho maçã? O que ela queria dizer? Ele perdeu a noite imaginando. Isso porque eles tinham mesmo mistérios...

Quando se encontraram, no muro que separava a escola dele e a escola dela, ele perguntou o que ela quis, afinal, dizer com "Livros satanás mergulho maçã". Ela olhou, boquiaberta, garantindo a ele que dissera "Me espere para aula amanhã". E por que ele não esperara?

O código Morse definitivamente não funcionou. Precisavam de algo mais sofisticado. E só por isso a ciência se intensificou. Popularizaram-se os computadores, nasceu a internet, o universo em tudo conspirou com ICQs, MSNs e Orkuts.

O tempo, infiel, porém, fez com que eles também se sofisticassem. Até a chegada do Facebook, anos depois, eles tinham o método de comunicação perfeito!

Nem se adicionaram. 

Não havia nem mais uma palavra que quisessem dizer um ao outro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

o Febre CRÔNICA agradece sua leitura e comentário.