"The betrothed and Eiffel Tower", 1913 - Marc Chagall
Perguntava, como um psicanalista calmo e
carnívoro, o que tinha dentro do meu coração. Queria lamber o suor das minhas palavras. Eu, inocente e
boba, verbalizava meus sentimentos todos. Um por um. Você salivava. Puro disfarce. Pura
encenação. Enquanto preparávamos o jantar, media minhas costas e anotava minhas dores e alegrias em sua pele com a ponta da faca. Descia os pratos do armário e imaginava meu coração ali. Quente.
Entre seu garfo e sua mentira faminta. Meu endocárdio mural dentro
da sua boca. Você queria mastigar meu interior e beber sangue.
Limpar meu baço em seu guardanapo. Meu encéfalo liquefeito em seu
copo.
Antes de dormir, catalogava cada mancha do
meu corpo. Me revirava separando sardas e pintas. Dizia que eu era
sua constelação. Eu, boba, achava graça e nem suspeitava. Sentia cócegas com a
ponta dos seus dedos tocando meu corpo todo. Você tremia com a
contagem. Queria dissecar minha cavidade torácica e abdominal até
encontrar uma sombra sua que pudesse estar ali, na minha topografia incompreendida. Engolir cada sentimento. Todo meu interior. Tudo. Minhas pintas em seu intestino grosso.
Você nunca encontrou a régua capaz de medir
alguma coisa em mim que fosse sua. Ou, uma balança capaz de pesar o que
eu carregava por dentro. Tudo era apenas um gosto amorfo dentro da sua boca.
Uma vontade atormentada nas unhas. Doença que invadia seu corpo febril cada
dia mais esgotado de mim.
Naquela noite, o jantar ficou pronto mais cedo.
Naquela noite, o jantar ficou pronto mais cedo.
Lúcifer, dizem, era um anjo. Dos melhores da equipe de Deus. Eles ainda existem aos montes por aí. Graças a Deus.
ResponderExcluirBelíssimo texto, Huck. Belíssimo. Mandou bem.
Esqueci de dizer: a escolha da arte não poderia ter sido mais perfeita.
ResponderExcluir