Sono, cansaço e sol antes das 06:00h. O passo, o
ônibus. Passar do ponto, perder o primeiro. As alegorias acontecem na segunda.
O café com leite no copo americano. O córrego, as bitucas de cigarro forrando o
chão. O itinerário sem flores, sem buquês. Um cadeirante sorri e reza novenas,
carrega no colo o último best-seller católico. Uma puta sai do motel. Um homem
leva alianças na carteira. Uma mulher ganha correntes no tornozelo, o menino
colorido quer ter sua primeira transa e
compra perfumes caros.
A professora risca a velha lousa e desconfia do
roteiro. O guarda matou um inocente e lava as mãos com álcool. A mulher casada
abriu as pernas para seu amante e lava seu sexo com sabonete.
O caixa conta a moeda de troco. A televisão da padaria vende a vida à prazo:
um apartamento para pagar até morrer [morrer para pagar], vende a culpa à
vista: estudar, comprar um título, comprar um lugar ao sol [no concreto frio],
vende a possibilidade de gastrites, também à vista: não dormir, não transar,
não amar o ócio e as lagartas amarelas na grama do Ibirapuera. Vende. Há quem
compre. O pão de queijo não tem gosto de queijo, o café é bom e o homem do
caixa sorri e manda torpedos para a namorada. A puta foi tratada como queria e
ganhou 50 reias. O homem aprendeu provérbios bíblicos e aceita a vida.
Mas o ônibus estava cheio e passou do ponto. Parou no
farol. Os sapatos gastos atravessando a faixa, as mochilas vazias de sonho,
entulhadas de protocolos, salada, garfo, faca e laranja. A rotina plantando
câncer. No escuro, perto da padaria, tem sangue, no corredor: ônibus e prazos
esperando o farol abrir.
O resto de sonho virou sono no último banco. Bocejos
de cansaço não percebem os imperativos das placas dizendo: onde, como, quem. As
chaves, com muito trabalho, abriram a porta. Túmulos na sala, toalha molhada na
cama e a ternura quis espaço. Entre a dor do corpo e os espinhos da memória,
alguém tentava ser feliz comendo pizza requentada e lendo Caeiro, o som da rua
aos poucos abandonava seu ouvido. Aliviado, o calo do pé descansava sobre o
pufe.
Música e poesia, pois é preciso muito enfeite para ver
tanta sepultura no enredo.
Enredados nos nós que ainda não sabemos desfazer, é
preciso, sim, embriaguês.
E há.
Nuances de uma vida que pra nós JAMAIS passará em preto e branco.
ResponderExcluirColoco um pouco de café no copo. Lembro do garçom do boteco, que nos vendeu a última cerveja. Sorrio. A vida permanece loucamente INTACTA.
Amei o texto. As visões do texto.
Parabéns, Dilma.
Simone, obrigada pela leitura, pelas palavras.Sou sua fã.
ExcluirQuerido Coração de Leão,
ResponderExcluirÉ preciso não deixar a poesia escorrer pelo ralo. Tenho tentado segurar por aqui, com medo de apertar ou soltar muito...
Beijos,
Claudiana.
Moça das Cerejas,obrigada pela leitura. tomara que haja!!!
ExcluirLi aqui cada letra do que precisava hoje ler.
ResponderExcluirVi em cada flash meu próprio vazio de sentido.
Hoje não é um dia bom. Só teu texto fez dele um dia suportável. Porque me explica. E me reflete. E me entende.
Pena que eu não vislumbre, ainda, minha própria embriagues. Me falta poesia para tanto.
Há segundas que doem mais.
ResponderExcluirFalta em tudo!!
Eu não sei.Mas tudo dói muito.