Escrevi o nome gratuito na perna. Escrevi pela mania mesmo que tinha de escrever nas pernas. Não sei. Me parecia que a tinta corria mais líquida. A resistência era menor do que em qualquer papel. Ou, talvez, eu costumasse escrever nas pernas porque era, por dentro, feito todo de palavras. Escrevia porque isso apenas marcava na pele o conteúdo dela. Não me escorria sangue, mas tinta. Não me batia o coração, batiam as teclas da minha máquina de fazer poemas.
Entre as palavras todas doidas de se escrever, escrevi, sem sentido, teu nome. As letras todas escritas entre meus pelos. Foi assim que começou. Foi assim que eu não consegui terminar. Foi besteira. Foi o nome que me veio. O nome que eu gostaria de ter, de repente. Ou o nome que eu primeiro vi. Não me lembro. Só sei que escrevi teu nome na minha pele rija das coxas.
A princípio, ninguém veria. Era um banho certo já no corredor, a me esperar. Então vieram as batidas na porta da frente. Então veio a urgência, a necessidade de sair de casa, as calças compridas. E então, lá fora, veio a pressa. E, fatal, veio o acidente.
Foi bonito. Os vidros... Foi bonito vê-los quebrar sob a luz alaranjada em uma faísca de chuva. Em uma cascata de glitter cor-de-sol. E então a dor, então aquilo tudo vermelho e escorrendo. Então a inconsciência. Então os médicos, as sirenes, a tesoura retalhando minha roupa.
E então, de repente, teu nome exposto.
E então, de repente, teu nome exposto.
Te chamaram. Viram teu nome assim na minha perna e adivinharam qualquer coisa. Te chamaram. Meu rosto te era estranho, completamente. Eu te conhecia de relance, eu acho, de uma vez. Ou nem isso. Mas o teu nome, aquele que a professora te ensinara na escola a escrever, estava - com outra, bem outra letra - na perna peluda de um estranho completo.
Pasmo.
Espasmo nenhum. Golfada de sangue nenhuma. Morto.
E eu sem poder resolver. Sem poder solucionar o mistério, sem poder levantar e dizer: não foi nada. Vai viver tua vida. Esquece o teu nome que eu me resolvo.
Não.
E tu ali, desencantado com o teu nome na minha coxa nua. Tão lívido quanto a pele emaranhada nos pelos. Tão confuso quanto pássaro atirado do ninho.
Te deram um copo de água. Querias era afogar-te no oceano azul.
Pior do que não poder explicar era a perspectiva de jamais compreender. Qual era, afinal, nossa ligação? Quais humores malignos me fizeram te pregar essa peça? Teria sido mesmo acidente o acidente? Ou teria eu me matado fatal, só para poder acusá-lo tanto. Sim, um nome na perna é uma acusação. Um motivo, uma carta suicída. E das mais convincentes.
Um nome, em tinta preta, em letra bordada, na perna de um morto. Teu nome. E agora?
Pior que a maioria das nossas dores tem nome,rg e endereço mas nem sempre o nome es tá exposto e ás vezes gritante cá dentro mostrá-lo em carne viva.
ResponderExcluirA palavra na coxa, íngua .Bonito texto.Gosto muito do que escreve.
ResponderExcluirLilian, verdade. Fiz talvez uma inversão disso tudo. O nome sem significado, gritando na carne morta.
ResponderExcluirDilma, obrigado, caríssima. Também gosto muito do que tu escreves. Ainda que nem sempre comente.
Li e reli. Reli e li.
ResponderExcluirTatuagens, caro amigo. Tatuagens na pele, na memória ou na intenção.
Texto devorado!!! PARABÉNS.
Lendo e relendo novamente...rs.
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