segunda-feira, 27 de agosto de 2012

VIDA, ESPERA E SEGREDO DE UM homem FEIO - Por Vinícius Linné


meramente ilustrativa - por Vinícius Linné

O homem tem um segredo. E ninguém sabe do segredo porque ele é feio.
O homem.
E o segredo.

Por serem feios os dois, eles acham que se pertencem. E então vivem assim, violentados, dilacerados e solitários, mas seguros. Como se segurança para a vida bastasse. E não basta.

O homem não conta para ninguém o segredo. Tem medo de que sua feiúra faça correr todo mundo. Às vezes, no entanto, a noite chega pesada e a escuridão até esconde o espelho. Nessas horas, o homem deseja, bem sozinho, encontrar alguém tão feio quanto ele.

Só na comunhão dos feios é que o segredo se repartiria. Como dádiva, como oferta, como uva verde de se colher com a boca madura e famélica. Ele diria, então, o seu segredo. E a feiúra do outro o entenderia. E então, meu Deus, então os quatro se pertenceriam. Sim, porque também ao outro seria imperativo ter um segredo próprio. E ainda mais feio. Ou, no mínimo, tanto quanto.

Quando ele enxerga um feio na rua, sente como que um pertencimento. Poderia ser este. Poderia ser este que aceitaria a troca dos segredos. Porque só ao feio o feio pertence. Como se eles estivessem abaixo, muito abaixo, da beleza alheia. Como se não merecessem, sequer, respirar o mesmo ar que os filhos de Apolo e Afrodite.

O homem tem mesmo essa certeza de que os feios se pertencem. De que a beleza jamais o tocará. E de que ele merece, afinal, ser assim, um pária. O tempo passando fere o feio, porque ele não encontra em ninguém um espelho. E então ele segue, torturado e algoz. Segue sua trilha de desmerecimentos, segue intocável. Acreditando-se santo de cada dor. Mártir das flechas que jamais transpassaram seu corpo.

Porque no fundo é fácil mesmo. É fácil não tentar, não se arranhar. É fácil se esconder por trás do rosto, sem perceber que ele é só uma máscara fina. É fácil procurar o que também é feio como se isso fosse uma salvação. Não é.

A salvação seria pertencer.

E ele não consegue. Não foi acostumado. Desde pequeno excluído. Desde muito novo rejeitado pelos outros todos que eram tão bonitinhos e cheios de vida. Ele aprendeu sempre que era feio. E que feios tinham seu próprio lugar à lama. Onde podiam assustar à vontade, chafurdar nos seus segredos horríveis e serem pouco menos que nada.


Hoje é noite. E das escuras. E ele pensa, de novo, no outro. O outro mais feio que podia chegar. Mas o mais feio não chega. Não chega porque acha este homem nosso – e seu segredo – bonitos demais para ele.

7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Pertencimento?!
    Uma questão a considerar...

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  3. E essa noite mais escura que todas as outras não chega nunca.

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  4. Desencontro bonito de ler.

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  5. Puxa, muito boa!! Adorei saber que mesmo feia, sou bonita aos olhos alheios. E como eu, todos são... quebremos o espelho, que engana!

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