A menina não tem nome, é bonita pela tristeza de andar. Moram com ela teorias que ela assassinou,
poemas que ela jogou no lixo, um vestido preto que ela guarda com carinho. Ela
mente quando não quer dialogar sobre coisas óbvias, porque nada é óbvio, falta tato,
ela falta, porque ela queria mesmo era lamber palavras coloridas, adoçar a
língua, acalmar a febre. Um dia, essa menina que, confesso, não é bonita
desafiou uma deusa e despiu um homem de seus pudores. Chorava pouco, o luxo lhe
dava muita preguiça, achou essa constatação luxuosa e repugnante. Toda violência
a machucava, pois os bons modos quando são armas, são miseráveis, quem não é
natural já não tem alma e só lhe resta espinhos, cercas quebradas, hálito de
desespero, ela olhava o mundo e via mulheres aleijadas, numas faltava coração,
noutras pulmão, os homens, todos
castrados. Muitas noites, acordava e o mundo era esse gemido, suada e ofegante,
segurava o coração, ela dormia e fechava os olhos com força, pressentia um dia
triste em que seus olhos em zoom arrancariam seu coração. O coração pulsava
nos olhos, a menina feia transbordava um amor quase sujo, quase dos céus.
terça-feira, 18 de setembro de 2012
a DESMEDIDA DE VER - por Dilma Alencar
Os muros escuros, tijolos tão
sólidos quanto sujos. Chovia muita na cidade, a escada mijada fedia, os bem
arrumados passavam xingando o lixo das gentes sujas. Dentro da casa de uma
estudante os livros formavam baixos murinhos de papel, nos pés da cama, uma
xícara suja de café, outra de chá, um copo de água morta da noite passada. Era
um retrato manchado, esse era o cenário. A menina comia o tempo, comia sem
fome, a rotina inchava seu estômago, a azia, de noite, fazia a imaginação criar
flores, cultivava cactos dentro de seu travesseiro, embaixo da cama havia
sempre uma peixeira afiada, eu poderia lhe dizer punhal ou adaga pela estética
da letra, mas era peixeira, com gosto de sal, e furava as intenções. Olhava o
cenário frio da cidade e sorvia a cerveja gelada do bar da frente. Dias de
domingo sentia uma agulha nos segundos, ávida e seca de sangue, de veia.
Enfraquecia na garoa, molhava os olhos, molhava a boca em corpos que nunca se
souberam gente. Partia no dia seguinte com um velório nas mãos e flor de boa
noite nos olhos, era uma menina crua, lia o vão das portas, o pó das borboletas
e as cruzes dos cemitérios. Odiava as
cruzes e os sacrifícios, os homens santificaram o intelecto e a rotina, ela maldizia
esses devotos do tédio. Falava pouco. Em dia de festa pintava o rosto, e o
diabo dançava no seu corpo, goles e goles, o diabo bebeu a menina e violentou
seus poros, violentou seu pulso. Na missa de domingo ela desejou o padre para
brincar no inferno. Farta de corpo e morrendo no vão da carne, a unidade de uma
gota de lágrima a enfeitava nas lembranças com saliva de gengibre. Ela não
tinha nojo dos corpos, lhe agradava o suor gelado de uma manhã boemia; o beijo
morno e ácido de saliva dormindo, lhe desagradava o escambo não declarado das
relações dos corpos, os não declarados, porque quanto às putas, ela enxergava com
pena, pois eram mulheres, nas mulheres tudo tem uma fundura de dor, até ferindo
outra mulher, há sempre uma sangria de um afeto, vaza um cheiro de deus.
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