Ela me olhou sem doçura nenhuma, o modo imperativo que
conjugava seus verbos enfraquecia a semântica do discurso, esse mais persuasivo
que comovente. Por preguiça, eu não quis jogar. Utopias casuais, fermentação
ideológica, contratos. Eu só queria fazer um arroz, comer torrada com mel,
comprar anéis de coco, fechar as páginas, esquecer as faixas, os faróis. Ela
não viu a cor do céu, não reparou nas cores da minha coberta. Se ao menos ela me
deixasse chegar perto sem verbos e não analisasse a minha sintaxe, mas tudo
pode ser transformado em conto, em canto, pena eu não ser artista, se eu
entendesse de recursos sonoros lhe faria um poema livre com aliterações em “l”,
a professora disse que essas aliterações soam como água e limpam o texto, eu
gostaria de lavar umas lembranças, além de café no seu tapete novo, eu sujei
alguns papéis, talvez ela nem tenha visto, de repente nem eram dela, nem era
ela.
Eu não disse nada, ela concentrava na fala toda a argumentação.
E precisava de tanta informação, imagens, códigos, números exatos. Por isso seu gosto por sonetos, a métrica, a
estrutura. Não gostou dos haicais que risquei com giz rosa, na parede do
quarto. A voz dela é rouca e sempre prende minha atenção, mesmo dizendo que
quer mais açúcar ou dizendo de física quântica, prefiro quando ela pede açúcar.
Ela foi embora. Eu guardei uns substantivos que
moravam em sua boca: estilete, quadro, tinta, espátula, pincel, formas. Com
eles, estou montando um poema com métrica, rima e antes de enviá-lo farei
escansão para assegurar seu prazer.
Vivemos pouco tempo juntas, uma semana.
A solidão dos meus móveis guardou
um traço bonito do primeiro sorriso da primeira manhã. Eu, os livros, o fogão,
as janelas, todos sorrimos quando ela acordou dentro do nosso silêncio.
Abriu-se, de repente, um espaço maior, uma largueza dentro do quarto, meu
abraço cresceu e a tive no colo.
Uma calma horizontal, plana, eu, pasma, besta de
saber. Na última semana, as lembranças, as memórias que vêm na vertical e
derrubam, sim, voltaram. Ela já não fez o café, eu já não a tive nos braços, as
mãos se perderam, eu fiquei com saudade e a transformei numa de minhas dores
verticais. Eu lhe enviei o poema, quando ele chegar ela vai saber de mim. A
razão dela não dói, não comove. Ela move umas palavras em mim que são dela. Eu
as dei, todas em rima. As coisas dela foram com o poema. Limpas como o poema.
Eu e a solidão sorrimos. Ela anda tão bonita. Nós também.
Você é bonita!
ResponderExcluirBom ler tudo isso ainda de madrugada. Sorri.
Bjs admirados!!
S
Achei tão lindo, acho que você ovidenciou até uma garoa hoje de manhã para eu ler com ainda mais saudade...suspiros.
ResponderExcluirObrigada. Lembranças em aliterações.
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