segunda-feira, 10 de setembro de 2012

distância EM 2D - Por Vinícius Linné

Deitaram os dois na cama suja.

Os lençóis duros tinham em si todo um refluxo encardido de partos e terras e ejaculações sem beijo. Os dois, apesar de magros, ocupavam cada qual o seu extremo da cama. Tomavam distância, evitavam o contato. A pele áspera de um não devia encontrar - nem por acidente - a pele áspera do outro. Respiravam o mínimo possível, assim como comiam o mínimo possível e viviam o mínimo possível. Lá fora tudo era nordeste e noite.

A distância pode ser perigosa. Porque começa nos peitos, se derrama nos leitos e termina sempre por afastar tudo de vez. Mas isso eles não sabiam. Eles não sabiam do perigo de criar outro mundo. Um mundo sem o outro.

Antes de se criar a dimensão paralela, quatro olhos amarelos, encardidos como os lençóis, estavam abertos para comer o escuro. Agora sim com gula.

E se eu tentasse, outra vez, chegar perto dela? Ele pensava no seu canto. Virou-se de costas e ela suspirou em desagrado. Melhor não tentar.

E se eu falasse com ele? Dissesse as coisas que quero? ruminou ela, limpando a garganta para começar. Fungada dele. Melhor não tentar.

Nesse jogo de não quebrar silêncio e não jogar fora distância, entraram os dois no sono. Sono pobre de sonhos, se desmanchando em novos suores para impregnar mais a cama. Cama que a esta altura já se bipartia e se replicava.

Mais tarde, cientistas dos dois lados tentariam explicar, encontrar uma causa para aquele fenômeno: o mundo se repartira inteiro. Uma nova dimensão fora criada. Igual à primeira, sem as mesmas pessoas, no entanto. Os moradores do mundo original ficaram, aparentemente de forma aleatória, separados em uma Terra ou outra. Para os cientistas mais esclarecidos, mesmo a dimensão nova era ainda um suposição. Não havia forma de contato. Não havia prova concreta. Só os polos terrestres haviam se invertido e os espelhos já não refletiam nada. Enquanto isso, os radares e sonares acusavam corpos que não se viam ora em uma, ora em outra dimensão. Mas isso tudo, como eu disse, viria mais tarde.

A noite virou dia. E quando ela levantou, não o encontrou. A cama era sozinha. A casa era sozinha. Ela mesma era sozinha. Por três meses chamou todos os dias aquele nome gasto dele. Primeiro com ódio. No fim, já em desespero. Nunca teve resposta. Ele tinha caído no abismo do mundo. E era para lá que ela iria também, jogando o corpo no poço seco.

A noite virou dia. E quando ele levantou, não a encontrou. Teria ela levantado mais cedo da cama? Paciência. Sentou-se lá fora, fumando um palheiro, dando graças aos silêncio sem suspiros. Um ano depois, ela ainda não tinha aparecido. Paciência. Era hora de buscar outra no mundo. Uma que trocasse os lençóis sujos.

Um comentário:

  1. parece-me que tudo isso é tão inevitável...
    e minha alma beija o abismo, a solidão, o escuro do outro lado de mim...

    Bonitas palavras, Linné.
    Gosto sempre.

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