terça-feira, 25 de setembro de 2012

dÍVIDAS - por Dilma Alencar.


As rugas de minha mãe anunciam as minhas. A distancia é um equívoco. Sua voz trêmula abre sua imagem: sentada num tamborete ao lado do telefone, eu sei o que ela chora. Uma mulher simples chorando sua solidão, a casa grande chora os filhos que são outros, são do mundo. Nenhum deles está para lhe lembrar de tomar os remédios, para lhe defender dos vendedores de placebos. Tantas camas arrumadas esquecidas, meu pai ainda traz flores simples da roça, mas eu não estou. Vez outra ele me fala ao telefone e sempre acha que estou rouca. Eu, no concreto oscilando entre uma anunciação e uma passagem de ida, as orações de mãe são as únicas que eu respeito, porque nelas há fé, seus olhos tristes de repetidas partidas merecem minhas mãos em amor. Falho nas escolhas, me falta seu colo e seu jeito de me explicar que a vida não é assim. Nunca soube explicar meu amor, era tanto, tão vasto, que eu virava enchente, minha mãe não sabe o quanto amei, mas soube das farpas que eu lentamente tirei do peito. O tempo nos evidenciou os erros, os meus ais querem sua palavra, ela precisa dos meus olhos calmos que ela, inocente, pensa ser olhos sábios, ignora meu desespero, ela já tem tanto para chorar, eu lhe poupo a dor, lhe digo o quanto há de vida para que ela se alegre, ela acredita, e juntas tecemos futuro, casa, quintal. Ela ver netos crescendo enquanto meu pai faz carrinho de boi e ensina como ele brincava e como todo mudou. 
Compro passagens para um tempo outro, sinto que já não estou, olho meus sinais no umbuzeiro, na telha, na cabeceira da cama e choro uma menina que morreu, uma mulher nasce com vigor, com força, com cinzas dessa menina que já não está, as mãos enrugadas de minha mãe acariciam o rosto dessa mulher, miram a menina, a menina. O que eu fiz da menina?  Foi preciso uma mulher, uma mulher para cuidar de uma mãe, pois na menina tudo era vento e flor, na mulher tudo é grave, tudo é fundura.
A mãe, o pai, a mulher. Vivos e juntos, dividem o teto com a saudade da casa cheia.
O tempo arranha uns sonhos, desvia o desejo, os laços, vínculos de sangue, de seiva. A substância cresce no meio do caos, volto ao estado de inércia de onde o mundo se repete em mantra e amor, em manto e fogo.  Minha falta, me envergonho dos dias ausentes, das coisas que não vi crescer, das conversas que não ouvi, de como não lhes disse que quase casei e comprei imóvel. Eu não vi a troca do piso, não vi que construíram mais uma igreja na rua, estive ausente. O tempo fez espaço longe, meu tempo de primavera ninguém viu, meu inverno se fez silencioso, nunca gostei de alarde. Entre corações magoados e coisas ditas o amor segue mudo, e hoje, com passagens compradas, ainda há dúvidas e dívidas!

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