As rugas de minha mãe anunciam as minhas. A distancia
é um equívoco. Sua voz trêmula abre sua imagem: sentada num tamborete ao lado
do telefone, eu sei o que ela chora. Uma mulher simples chorando sua solidão, a
casa grande chora os filhos que são outros, são do mundo. Nenhum deles está
para lhe lembrar de tomar os remédios, para lhe defender dos vendedores de
placebos. Tantas camas arrumadas esquecidas, meu pai ainda traz flores simples da
roça, mas eu não estou. Vez outra ele me fala ao telefone e sempre acha que
estou rouca. Eu, no concreto oscilando entre uma anunciação e uma passagem de
ida, as orações de mãe são as únicas que eu respeito, porque nelas há fé, seus
olhos tristes de repetidas partidas merecem minhas mãos em amor. Falho nas
escolhas, me falta seu colo e seu jeito de me explicar que a vida não é assim.
Nunca soube explicar meu amor, era tanto, tão vasto, que eu virava enchente, minha
mãe não sabe o quanto amei, mas soube das farpas que eu lentamente tirei do
peito. O tempo nos evidenciou os erros, os meus ais querem sua palavra, ela
precisa dos meus olhos calmos que ela, inocente, pensa ser olhos sábios, ignora
meu desespero, ela já tem tanto para chorar, eu lhe poupo a dor, lhe digo o
quanto há de vida para que ela se alegre, ela acredita, e juntas tecemos
futuro, casa, quintal. Ela ver netos crescendo enquanto meu pai faz carrinho de
boi e ensina como ele brincava e como todo mudou.
Compro passagens para um tempo outro, sinto que já não
estou, olho meus sinais no umbuzeiro, na telha, na cabeceira da cama e choro
uma menina que morreu, uma mulher nasce com vigor, com força, com cinzas dessa
menina que já não está, as mãos enrugadas de minha mãe acariciam o rosto dessa
mulher, miram a menina, a menina. O que eu fiz da menina? Foi preciso uma mulher, uma mulher para
cuidar de uma mãe, pois na menina tudo era vento e flor, na mulher tudo é
grave, tudo é fundura.
A mãe, o pai, a mulher. Vivos e juntos, dividem o teto
com a saudade da casa cheia.
O tempo arranha uns sonhos, desvia o desejo, os laços,
vínculos de sangue, de seiva. A substância cresce no meio do caos, volto ao
estado de inércia de onde o mundo se repete em mantra e amor, em manto e
fogo. Minha falta, me envergonho dos
dias ausentes, das coisas que não vi crescer, das conversas que não ouvi, de
como não lhes disse que quase casei e comprei imóvel. Eu não vi a troca do
piso, não vi que construíram mais uma igreja na rua, estive ausente. O tempo fez
espaço longe, meu tempo de primavera ninguém viu, meu inverno se fez
silencioso, nunca gostei de alarde. Entre corações magoados e coisas ditas o
amor segue mudo, e hoje, com passagens compradas, ainda há dúvidas e dívidas!
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