terça-feira, 11 de setembro de 2012

uMA MORDIDA NA COXA - por Dilma Alencar.


Entrou. O andar de sempre, tomou água, levou o copo até a pia e abriu um sorriso sereno, se aproximou, passou a mão na minha nuca e beijou meus lábios como quem beija uma imagem de santo. Uma fé e uma força que me angustiavam. Faltou corpo para o discurso de arame.Então eu não disse. Olhei em seus olhos tentando ver além de suas retinas de onde aquela sua gravidade viera. No banheiro, os corpos nus, banhei o seu corpo com aromas de pitanga. Tontura de excesso, porque era hora da partida, a gente sempre soube que seria breve, e foi. Molhei seus cabelos, fiz espuma na sua cabeça, sem palavras, minha lágrima quente anunciou a intenção, seus olhos entenderam, seus joelhos dobraram-se, seus braços prenderam minhas coxas, sua língua encontrou a minha, me encontrou, me enviou às estrelas, como quem sinaliza os dias seguintes como procissão resignada e prevista. Queimar as asas com parafina, com sua lágrima ser minha íngua, em sintonia, ser o corpo morada de seus traços.  Saímos, fui à cozinha e fiz salada, rúcula e escarola, só porque você gosta. Me Trouxe vinho,comprou pão de mel , eu mal reparei. Quebrei um prato vermelho, seu preferido. No quarto, vesti o vestido que você gosta de me ver, quis ficar bonita para seu último olhar, vaidade descabida, meu silêncio pressentia choro e você já sabia. Ainda lhe fiz a última carta, de tantas em tão pouco tempo. Lembrei ainda de lhe comprar uma agenda, e coloquei poemas escritos num papel rosa para separar os dias importantes para você. Mas eu não consegui dizer nada inteligente, maduro e me mostrei assim crua, feia, sem conjunções que me explicassem. Os cílios piscaram cada vez mais, eu falava da conta de luz absurda do mês passado, de como é difícil tirar esmalte vermelho da unha. Eu comecei mentindo que seria melhor, você emendou meu argumento de que assim era mais bonito e que eu fui a melhor namorada do mundo, eu senti vertigem ao ouvir você, pela primeira vez, conjugando nossa história no passado, quis dar um tapa em você, cuspir em seu rosto e maldizer nosso encontro, mas só consegui apertar suas mãos e engolir seu gosto de sereno. Nós morremos docemente. Ficamos por dias, esquecidas num box de um banheiro, eternizadas em gosto, em cores de água.
Qualquer um que se aproxima consegue, ainda hoje, ver a mordida que você deixou na minha coxa direita, ainda dói, uma mancha esquisita, roxa, minha calma é desespero de tua ausência.
Esses dias um susto de acordar alheia às belezas ofertada me fez parar, desde então amadureço a mulher que já sou e guardo a menina com mais cuidado. A menina não pode morrer ou a mulher não cresce.

2 comentários:

  1. Denso, intenso, Dilma.
    Gosto sempre...

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  2. Obrigada. Tem sido bom escrever.Adoro ler os textos do blog.Seus amigos são talentosos.

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