Amanheço e você não
morre. Ainda ontem fui ao seu funeral dentro de mim. Vesti a roupa
mais bonita. Coloquei gravata. Lustrei os sapatos. Limpei os óculos
escuros para enxergar além da possibilidade de um sol que pudesse te
iluminar em algum escuro de mim. Cumprimentei
seus pais. Chorei perto dos seus amigos. Abracei todos os seus
irmãos. Tinha a nítida certeza que te sepultava naquele vão
momento. Havia uma alegria dentro da minha boca silenciosa que não
podia gritar nem comemorar. Não ali. Pás de terra sobre a sua pele
macia e gostosa. Grãos de areia tocando sua língua inexata, secando
a saliva que você derramava sobre meu corpo. Milhares de pedras
fechando seus olhos lindos. Flores ocultando suas mãos alongadas e
finas. Impossíveis orquídeas. De longe, eu não mais conseguia ver o seu corpo
indeterminado. Era certo que você morria. Pactos deitados em bancos de crenças.
Naquele frio cemitério do meu coração, eu voltava para casa livre, liberta. Havia um pássaro cantando a minha sobrevivência. Todos puderam ouvir os segundos da minha vasta emancipação de você. Há uma certa alienação nas convicções.
Naquele frio cemitério do meu coração, eu voltava para casa livre, liberta. Havia um pássaro cantando a minha sobrevivência. Todos puderam ouvir os segundos da minha vasta emancipação de você. Há uma certa alienação nas convicções.
Ao meio dia, você
apareceu plantado na porta dos meus olhos com um sorriso debochado.
Postura firme. Olhar arrogante. Pendurava um sorriso parecido com
aquele que você trazia nas noites que brigávamos. Madrugadas
líquidas. Cinicamente me disse “oi”, puxou uma cadeira e sentou
ao meu lado. Abriu o pacote de bolachas que estava em cima da minha
mesa de trabalho e começou a olhar meus emails como se fossem seus.
Você adorava bisbilhotar meu computador à procura de uma traição
que nunca existiu. Mascava um chicletes irritante e usava o perfume
que trouxe de Paris para provar o quanto te amava. Quanto dinheiro
queimado sobre o seu corpo. Insistências imortais e amargas. Escarros amanhecidos. Você era o
meu maior erro. O meu maior vício. Você era a minha febre
sobre todas as coisas mortas que não se deitam para dormir, nunca.
Meu devaneio. Meu complexo. Você era a outra metade de mim. Mal
feita. Perfeita. Obstinada.
Amanhece uma outra vez. Costuro sua boca e mesmo assim, por algum secreto lugar, escapam suas ácidas palavras que sabem me matar. Qual fita métrica uso para medir sua indiscrição? Qual é o açougueiro que afia a faca das suas vírgulas hediondas?
Almoço e você insiste em ser a sobremesa. Anoitece e não consigo te assassinar no meu melhor e maior plano. Não, não desisto. Hoje costurei sua boca, amanhã perfurarei seu cérebro.
Amanhece uma outra vez. Costuro sua boca e mesmo assim, por algum secreto lugar, escapam suas ácidas palavras que sabem me matar. Qual fita métrica uso para medir sua indiscrição? Qual é o açougueiro que afia a faca das suas vírgulas hediondas?
Almoço e você insiste em ser a sobremesa. Anoitece e não consigo te assassinar no meu melhor e maior plano. Não, não desisto. Hoje costurei sua boca, amanhã perfurarei seu cérebro.
Gosto tanto de ler ,sempre.Parabéns. Seus textos lindos estão cada vez mais, fortes, seus.
ResponderExcluirObrigada, Dilma. Também gosto demais de ler você. É sempre uma surpresa! Bj grande.
ExcluirOrquídeas impossíveis, tempo líquido, fita métrica de medir os incalculáveis... seu universo de palavras associadas me fascina. Bravo, Huck!
ResponderExcluirObrigada minha amiga e parceira. Sua leitura e comentários são MUITO importantes pra mim, você sabe. Bj do tamanho do mundo.
ExcluirAté agora não consegui digerir as palavras que sairam do mais profundo da sua Alma! Magnífico!!!!
ResponderExcluirAlma, imaginário, ficção, verdade? rs rs. Obrigada pela leitura, Ká. Bjs, H.
ExcluirQuerida amiga, não há nada da minha alma aqui. Apenas construções literárias. Obrigada pela leitura. Bjs
ResponderExcluirE aí ,matou?
ResponderExcluirEVA
Matar é relativo, EVA. Assim como nascer... Obrigada pela leitura e "curiosidade"... rs. Deixo pra vc construir a SUA resposta. Bjs, H.
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