quinta-feira, 31 de outubro de 2013

aZUL - por Simone Huck

imagem retirada do site da Fundação Fritz Muller

Você abre seus olhos azuis pela manhã e não alcança um céu estável. Engole um pedaço de nuvem carregada com leite desnatado e não mata fome nenhuma.
Corre muito e não chega.
Sua saliva é uma dúvida ancorada nos pés da tempestade que se aproxima.
O dia é uma rotina nublada.
Você abre o guarda-chuva.

(...)

Chama o elevador e ninguém interessante sobe ou desce.
O mundo é uma caixa de metal vazia com diversos andares duvidosos.
Olha no espelho e ajeita a febre curta dos seus cabelos longos.
Você está envelhecendo secretamente.
Pega os óculos escuros.
Confere no celular a agenda do dia.
Entra no carro.
Para no farol.
Acelera na subida.
Estaciona.
Chega e nem percebe.
Tenta roer as unhas mas desiste.
Esquece.
Admite.
O mundo é uma tentativa falida arranhando seu otimismo.
Você fecha o guarda-chuva.

(...)


terça-feira, 29 de outubro de 2013

o HOMEM DA CASA AMARELA -por Adilma Secundo Alencar.

O homem da casa amarela acorda antes do dia clarear, se levanta naquela hora em que o céu do sertão é azul-anil, e vai pra roça, no caminho que seus pés rachados conhecem há 60 anos, caminha sem pressa, que fique claro que não foram os anos que lhe deram mansidão, é de sua natureza não ter pressa nos movimentos nem nas vontades. É um existencialista que não foi à escola, porque foi a escola que por tédio fez do existencialismo uma escola. Os seus filhos já tem filhos e ele reconhece seus traços no queixo, no semblante dos homens que são seus olhos, braços. Ele canta diariamente, assovia as cantigas que Gonzaga eternizou, é um menino de sorriso solto, embora o rosto seja grave e fechado e os vincos enriqueçam a fortaleza do que os seus braços alcançam. Essa hora em que o dia chega com uma luz já laranja, mas fria, fria como um boi a sente, é nessa hora que ele é sozinho, no caminho da roça, é sozinho com os cinco filhos e a mulher no pensamento. O juazeiro na subida da ladeira está ali antes dele e faz sombra para os andantes, para uma rês fatigada. As graúnas firmes, o açude, o cocho, a pedra de quebrar licuri, a corda de amarrar o garrote, o liculizeiro onde deixa a moringa, é tudo cenário onde o homem da casa amarela passa, porque de algum lugar nosso corpo vai gastando olhar, o dele está debruçado nas caçutingas, gravatás, macambiras. Os braços não aparentam força, mas resistem como juncos aos tombos e às     quedas que a natureza lhes impõe. O ícto é de sertão, tão português quanto angolano porque é brasileiro. Resiste como um mandacaru, existe como uma flor, o homem da casa amarela não pensa grande porque ele já vive grande.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

o NÃO DE MAYARA - por Vinícius Linné


Eu queria transformar teu não em poesia, fazer escorrer na pele a rima exata que não me deixaria cair de braços abertos. Eu queria. E queria sem entender. Além de tudo eu não entendo. Porque, sinceramente, eu não te queria. Eu já tramava os segredos, eu já tingia as máscaras, eu já preparava a vergonha de seres minha. Eu não te queria e, de repente, teu não me abala.

Logo depois de tantos sins ouvidos essa semana ainda, veio teu não. E ele superou os sins. Sabe por quê? Porque o teu não foi a uma possibilidade, enquanto os sins só confirmavam o que eu já tinha. O que eu tenho me cansa. As possibilidades é que me seduzem, as noites insones a imaginar o depois, a expectativa desenhada, os planos macerados, os ideais pintados em um rosto falso, em um nome fingido que tatuarias no peito. E, então, teu não.

Teu não à minha história imagina, prendendo-a para sempre. Teu não desdenhando dos meus não-ditos. Teu não a abalar minhas crenças, a desfazer minhas capacidades, a tingir de vergonha minha voz quando repito, baixinho, que não, que não me quiseste. Nem agora nem nunca.

E eu, tolo, ainda pergunto o porquê. Ainda me desfaço os restos de honra a querer saber. E então, não por quê? Do outro lado só o silêncio. Uma palavra de três letras, foi tudo que me deste. A palavra errada: não. Uma palavra que não preenche a poesia, que não desliza na pele (a não ser como lágrima), uma palavra que não sustenta, que não publica livros, que não realiza sonhos, que não diz. 

Não.

Uma palavra que não diz e que não me deixará, jamais, dizer: te amei muito mais depois desse não do que qualquer vez antes dele.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

pRUMO - por Adilma Secundo Alencar.

Um voo de um mosquito, um fazer e desfazer de nuvem, um cílio caído, tudo quer pausa.
Pausadamente. Pega minha mão e vamos enfrentar o nojo diário que nos aflige. Deixa para trás seus medos, seus lençóis sujos de rosas, o seu inferno, esse altar incendiário, essa promessa emanando alfazema.
Pausa. Pousa seu rosto e esse exército de expressões de dor no meu colo nu e rompe esse pranto lamacento em que a angústia mora. Joga fora esse erotismo vagabundo comprado numa loja virtual. Deixa que eu lave seu rosto, tire seus anéis, desfaça suas amarras, amarre seu cadarço, seu vestido. Apague do seu olhar esse relâmpago de desejo, não há guerra.
Deita na cama que espera seu sono. Assuma o prumo, estanque esse sangue.
Caules verde oliva, cones laranjas, peças de um quebra cabeça, peças de suas vestes no chão.
Seu olhar é metonímia, é manto e me põe em pele.

Esse formigueiro urbano, essas segundas de chão de zinco, ressoam memórias de marujo. É a pausa, entre uma nota e outra vibra o intervalo das letras, das cirandas, eu quero sentir as pausas, as dissonâncias.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

oS PLATÔNICOS - por Vinícius Linné

Os dias foram passando, o beijo que deixei delicado no teu pescoço foi se apagando. O calor do meu corpo foi esfriando no teu. Esvaneceu-se meu cheiro de madeira e âmbar, esvaziou o sentido, o não dito, o não permitido entre nós.

De repente, à distância, meus olhos ficaram opacos pros teus. Meu brilho foi ficando cada dia mais fosco. Minha voz mais distante. Meus sonhos cada vez mais parecidos com utopias pintadas.

De repente, então, tu decides que não valia a pena mesmo. Que tu não merecias alguém como eu. Melhor: que nós não nos merecíamos. A dor seria demais. O trabalho seria dobrado. O sacrifício seria imenso.

Então deixa. Deixa assim. Segues tu. Sigo eu. Distantes. Sem nunca sabermos do sabor um do outro. Seguimos apartados, com as lembranças do que não foi. Do que poderiam ter sido nossas vidas. 

Se tu assim decidiste, eu acato. Eu acolho tua escolha. Eu recolho meus restos. Eu espano o espaço, dissipo as lembranças, esfrego minha pele até saírem dela as lascas da tua. Eu esvazio meu peito, mesmo sabendo que tu ficarás nele, feito sujeira, impregnada.

E no fundo é só isso. Só. Eu não te queria no canto dos não esquecimentos. Eu não te queria na minha estante de arrependimentos. Eu estava disposto a tirar o coração e te dar, para que ele fosse coisa tua. Assim eu teria paz, de alma toda em ti, toda tua.

E então tu me disseste que não o queria. Que eu fique com meu coração gasto. O coração que eu preparei todo tempo pra te entregar, que eu cultivei e enfeitei só para que um dia fossemos teus. E agora, Deus, que faço desse meu coração sem dono? Que faço do vazio da tua ida sem mim. Da dor de não ter tido uma chance de sequer ser infeliz contigo. O que faço?

Nada. Não faço nada. 

Os melhores amores são mesmo os platônicos.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

dO FIM - por Adilma Secundo Alencar.

A chuva dessa madrugada não me acalma como antes, o café esfriou, eu não renovei o empréstimo do livro, eu não fiz janta,trabalhei mal, comi mal.
Faz quase um mês que já não encontro seu corpo em abraço cúmplice, nos separamos, quando?
A ideia da separação me veio após um dia cansado e interminável, desses em que olhamos os ponteiros do relógio e eles riem ironicamente de nossa pressa, eu não senti vontade de ouvir sua voz, me peguei egoísta e duro por querer a solidão de minha casa e voltei mais cedo que de costume só para dissipar minha culpa.
Nossa rotina tomou a noite e eu logo me esqueci daquele enjoo.
Mas ela voltou, é uma ideia insistente, e repousou com olhos de coruja no criado-mudo.
Numa sexta de calor e brisa, você fez pudim de pão, minha sobremesa preferida, nos amamos serenos, tristes e silenciosos.
Levantei cedo e olhei seu corpo coberto, seu sono pesado, seu nariz fino, seu cabelo curto, sua orelha exibindo brinco de estrela.
Não soube dizer quando ela caminhou do criado-mudo até minha gravata, sei que depois disso cada nó na manhã de minha rotina de homem é um conto de angústia e pergunta talvez a mesma ideia também percorra seus esmaltes, pois já não noto as mudanças frequentes de cores que outrora suas unhas exibiam. Talvez percorra também suas saias longas.
Agora, os anjos de luz povoam meu peito, mas minha língua não tem palavra para dizer fim, seus olhos de maré cheia fazem uma tempestade. Já me perturba a futura ausência de suas mãos macias me fazendo dengos na nuca, e esse cheiro de sexta- feira que o coentro cortado na tábua colorida, comprada nessas feiras que você frequenta, me avisa.  
Se você souber,me acalma essa vontade de partir e mente,mente que ainda me quer bem.
E talvez amanhã sejamos novamente felizes.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

dELE - por Vinícius Linné

E eu, que nem gosto dele, sinto-lhe desmedida falta.

Não gosto de como ele me obriga a desnudar o corpo e os segredos, não gosto de suas armadilhas a prender-me as pernas, acender-me os medos, não gosto de seu gosto salgado e ardido, não gosto de seu cheiro, de suas remanescências, de seu marasmo de macho. Não gosto.

Ainda assim, sinto que meus sonhos estão enrodilhados em suas ondas. Sinto que nas suas profundezas, aquelas de azul muito escuro, está escondido qualquer tesouro que é meu. Sinto que ele me chama, sussurra meu nome em suas indas e vindas, as mãos sempre estendidas para me recolher, as mãos que voltam sempre vazias de mim.

E eu o ouço, inesperadamente, em pistas, em sinais, em carmas e marcas. Em livros, em músicas, em potes de sal que cheiro, provo, misturo com água e passo na pele, dando-lhe uma prova de mim. Uma prova que promete mais, sempre promete. Mais de mim nele, mais dele em mim, mas que está longe de se concretizar. Porque, embora eu ouça e sinta seu chamado, eu não gosto dele. Eu não estou preparado, ainda, para gostar.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

aNIVERSÁRIO - por Adilma Secundo Alencar.




Ao amor de todo dia.
Devo, desde já, pedir desculpas pela caretice de escrever-lhe uma carta minada de metáforas de mel. É que de algum jeito quero que a memória de hoje repouse nesse pretenso papel, mensageiro de meus enleios de amá-la como se fosse seus meus primeiros desejos como se Caeiro existisse a partir desses seus olhos moles. Eu poderia num gesto de carinho reunir suas fotos e editar frases bonitas ou levá-la para ver o luar. Ah, minha vida, como se desesperam todos os signos quando eu, numa busca burra, quero reuni-los para dizer nosso quintal, nossa laranjeira, nossa colcha de retalho, e nosso pingado antes das sete. Se você tivesse roseiras e se eu soubesse fazer buquê, nosso quintal seria o cenário para que enfim emanasse do meu calor toda essa rede de palavra com que hoje eu queria embalar seu descanso.
Eu sei que o tempo é uma mentira e que ele fez circo de nossos vincos no rosto, fez sândalo de nossas insônias pares. Eu guardei suas blusas de lã na gaveta com um carinho que beira a loucura, eu quero ver seu corpo envelhecer dentro de suas cores preferidas e cuidar de suas febres e tosses. Uma carta é uma legitimação menos do nosso amor do que de minha palavra querendo espaço junto ao seu mundo que é outro, dez anos nunca me separaram de seus passos, nem a afastaram de meus desejos, eu sou a ranzinza e você abre o Sol em domingos entre folhas e rasuras de sintaxe ossuda, meu domingo em bibliotecas e meu corpo no seu colchão. Aniversário seu e meu amor queria ser anunciado em avenidas, redes, buquês, vinhos, cadeira, janta e mil letras vermelhas, mas é no calor do seu silêncio que minhas palavras deslizarão mansas e roucas ao pé de seu ouvido, discretas como nós de um bordado antigo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

iDENTIFICAÇÃO - por Vinícius Linné

O que ela procura na arte e no amor é a mesma coisa: identificação. Nos filmes, nos livros, nos poemas todos, ela busca sua própria história. Nunca a encontra senão em partes. Talvez um filme sobre o que ela passou com a mãe, ou um livro sobre sentir-se sozinha. Nunca mais do que isso. Nunca uma obra que compreenda sua vida inteira, seus pensamentos, seus sentimentos, suas reflexões e filosofias. Nunca seu vazio. Nunca um livro todo em branco em que ela pudesse, poeticamente, escrever sobre si. Não.

No amor também, ela procura alguém com as mesmas vivências, as mesmas apatias de horas marcadas, os mesmos gostos e os mesmos gestos. Alguém que lhe demonstrasse que ela não é a única, por exemplo, a gostar de comer pêssegos debaixo do chuveiro. Alguém que se sentisse mal com a aparência, que tivesse vergonha de sair, que ficasse por horas quieta, esperando alguma coisa incrível acontecer. Não. Ela encontra os homens que bebem, que fumam, que falam besteiras por toda uma noite. Que querem sexo, sobretudo sexo. Homens que não aguentariam um filme de Özpetek, não leriam um poema de Pessoa, não fotografariam uma pitanga de duas cores.

Às vezes ela pensa em desistir das buscas. Ela pensa em investir na carreira, no contar de números, na vida seca e artificial dos escritórios. Ela pensa, então, que não foi feita para o amor, nem todos são. Ela pensa que a arte não é sua vocação, nunca é.

Às vezes ela pensa em se matar. Ela pensa que seria como parar a roda de uma bicicleta emborcada que gira no ar. Em um momento ela gira, gira, gira, fazendo barulho... E no seguinte se pode colocar a mão sobre ela. Primeiro devagar, para não machucar, depois parando-a por completo. Ela fazia isso quando era menina, mas ninguém sabe ou quer saber. 

Às vezes – e essas são as piores – ela acredita que encontrou o que buscava. Um filme que lhe traduz inteira, que lhe eleva a alma, que lhe faz acreditar de novo. Por uns dias. Um par de dias. E então ele se revela só um filme. A vida o sobrepuja. Às vezes é um homem que, de longe, parece diferente, sensível, misterioso, especial, mas que de perto se revela só outro homem. Mais um cujo contato máximo com ela será um cumprimento cruzado na rua. Seguindo, depois, cada um com sua própria solidão sem cura.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

aS RAZÕES DE TEREZA - por Simone Huck

Tereza tinha olhos pretos e redondos como jabuticabas frescas e suculentas. Ofuscava, ao centro, uma espera morta e quente. Nunca entendi como coisas mortas podem ser quentes. Nunca entendo olhos ávidos que esperam alguma coisa dos céus. Tereza devorava nuvens inquietas. Traduzia a intenção do vento. Escutava a algazarra dos canteiros secos que pressentiam água. Sabia exatamente o momento da chuva e saía lá fora, sem agitação ou felicidade. Com uma paciência de pedra em fundo de rio, sentava em uma lata de tinta debaixo da chuva e se deixava molhar. Era fome úmida.

A primeira vez que a vi assim, sentada debaixo da chuva escolhendo arroz, eu passava com meu guarda-chuva e meu casaco. Pensava coisas bobas e indiferentes. Era mais uma sombra anônima na metrópole cansada. Eu e a cidade, escorríamos alguma palavra suja. Nada era lavado. Vi Tereza de longe. Parei no meio da chuva para observá-la. Ela só voltou para dentro da casa quando o céu secou. Seu rosto e a vasilha de arroz comungavam um renascimento que agredia minhas mortes diárias. Era inverno. No outro dia também chovia. Lá estava ela no meio do quintal, lendo. Tereza tinha livros de serem lidos na chuva. Fiquei inquieta com tantas imagens.

O inverno foi chuvoso. Vi Tereza muitos dias. Ficamos amigas. Eu me aproximei. Quando cheguei muito perto, ela entrou dentro da casa e pegou outra lata e me pediu para sentar. Obedeci. Naquele dia ela escrevia uma carta debaixo da chuva. Cada palavra que tentava escrever escorria do papel e caía dentro da lata de tinta. A lata estava cheia de verbos. Minha curiosidade queria ler. Ela não deixou. Pegou minhas mãos e as colocou em seus olhos. Senti um líquido quente no meio da chuva fria. Ela me disse que se chamava Tereza e que há muitos anos não conseguia mais chorar. Só a chuva era capaz de fazê-la ter memória, sentir amor e escorrer lágrimas semânticas.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

iTINERÁRIOS - por Adilma Secundo Alencar.

Poderíamos precipitar os passos, eu sei. Os ônibus demoram mais aos domingos e minha espera foi quase um dia de pensar naquele homem grave. Eu inventei que ele gostava do mesmo chocolate que eu, mas eu sei que não gosta, vi uma barra de diamante negro saindo de sua mochila, eu prefiro chocolate amargo com avelã. As gotinhas de chuva caindo me acalmaram os sonhos, eu sorri sozinha na calada da noite e imaginei que ele estaria àquela hora, tirando os sapatos e se jogando no sofá da sala.  Eu olhei seu rosto de homem triste, barba negra cobrindo o rosto ainda jovem, boca pequena e um olhar inquieto de quem anda com pernas de chumbo precipitando nos currais dos terminais urbanos, era com angústia que ele penteava o cabelo e guardava seus papéis e suas cismas de homem. Eu podia espreitar a sua manhã ainda escura diante do espelhinho do banheiro, não sorriu ao espelho com a boca cheia de espuma branca, secou e perfumou o corpo como quem opera um programa. Ele sentiu falta de perfumes, e engoliu com café preto sua última dor de amor, eu podia sentir naquele homem uma cumplicidade efêmera que os seus olhos insinuaram para os meus. Não era a falta de sexo que sua energia gritava, ele queria ter alguém para reclamar daquele creme de barbear e dizer que juntou uma grana para construir uma casa no interior. Eu desviei o olhar porque eu não sabia como olhar, eu gosto de olhar,no entanto ser olhada é uma invasão à frágil calma dos meus domingos rotineiros. Eu olhei o relógio da plataforma que alterava mais uma vez o horário de chegada do ônibus, meu cachecol verde aquecia minhas mãos e a fila crescia como minha espera. Tomamos nossos itinerários distintos, eu fiquei olhando através da janela e enquanto pude timidamente olhar  o vi bocejar uma preguiça cansada de quem não descansa faz mais de oito dias, ele desceu no ponto do Hospital das Clínicas e eu segui com suas impressões tristes em meus olhos, naquele domingo, especialmente melancólicos.