Ao amor de todo dia.
Devo, desde já, pedir desculpas pela caretice de
escrever-lhe uma carta minada de metáforas de mel. É que de algum jeito quero
que a memória de hoje repouse nesse pretenso papel, mensageiro de meus enleios
de amá-la como se fosse seus meus primeiros desejos como se Caeiro existisse a
partir desses seus olhos moles. Eu poderia num gesto de carinho reunir suas
fotos e editar frases bonitas ou levá-la para ver o luar. Ah, minha vida, como
se desesperam todos os signos quando eu, numa busca burra, quero reuni-los para
dizer nosso quintal, nossa laranjeira, nossa colcha de retalho, e nosso pingado
antes das sete. Se você tivesse roseiras e se eu soubesse fazer buquê, nosso
quintal seria o cenário para que enfim emanasse do meu calor toda essa rede de
palavra com que hoje eu queria embalar seu descanso.
Eu sei que o tempo é uma mentira e que ele fez circo
de nossos vincos no rosto, fez sândalo de nossas insônias pares. Eu guardei
suas blusas de lã na gaveta com um carinho que beira a loucura, eu quero ver
seu corpo envelhecer dentro de suas cores preferidas e cuidar de suas febres e
tosses. Uma carta é uma legitimação menos do nosso amor do que de minha palavra
querendo espaço junto ao seu mundo que é outro, dez anos nunca me separaram de
seus passos, nem a afastaram de meus desejos, eu sou a ranzinza e você abre o
Sol em domingos entre folhas e rasuras de sintaxe ossuda, meu domingo em
bibliotecas e meu corpo no seu colchão. Aniversário seu e meu amor queria ser
anunciado em avenidas, redes, buquês, vinhos, cadeira, janta e mil letras
vermelhas, mas é no calor do seu silêncio que minhas palavras deslizarão mansas
e roucas ao pé de seu ouvido, discretas como nós de um bordado antigo.
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