O homem da casa amarela acorda antes do dia clarear,
se levanta naquela hora em que o céu do sertão é azul-anil, e vai pra roça, no
caminho que seus pés rachados conhecem há 60 anos, caminha sem pressa, que
fique claro que não foram os anos que lhe deram mansidão, é de sua natureza não
ter pressa nos movimentos nem nas vontades. É um existencialista que não foi à
escola, porque foi a escola que por tédio fez do existencialismo uma escola. Os
seus filhos já tem filhos e ele reconhece seus traços no queixo, no semblante
dos homens que são seus olhos, braços. Ele canta diariamente, assovia as
cantigas que Gonzaga eternizou, é um menino de sorriso solto, embora o rosto
seja grave e fechado e os vincos enriqueçam a fortaleza do que os seus braços
alcançam. Essa hora em que o dia chega com uma luz já laranja, mas fria, fria
como um boi a sente, é nessa hora que ele é sozinho, no caminho da roça, é sozinho
com os cinco filhos e a mulher no pensamento. O juazeiro na subida da ladeira
está ali antes dele e faz sombra para os andantes, para uma rês fatigada. As graúnas
firmes, o açude, o cocho, a pedra de quebrar licuri, a corda de amarrar o
garrote, o liculizeiro onde deixa a moringa, é tudo cenário onde o homem da
casa amarela passa, porque de algum lugar nosso corpo vai gastando olhar, o
dele está debruçado nas caçutingas, gravatás, macambiras. Os braços não aparentam
força, mas resistem como juncos aos tombos e às quedas que a natureza lhes impõe. O ícto é
de sertão, tão português quanto angolano porque é brasileiro. Resiste como um
mandacaru, existe como uma flor, o homem da casa amarela não pensa grande
porque ele já vive grande.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
o Febre CRÔNICA agradece sua leitura e comentário.