O que ela procura na arte e no amor é a mesma coisa: identificação. Nos filmes, nos livros, nos poemas todos, ela busca sua própria história. Nunca a encontra senão em partes. Talvez um filme sobre o que ela passou com a mãe, ou um livro sobre sentir-se sozinha. Nunca mais do que isso. Nunca uma obra que compreenda sua vida inteira, seus pensamentos, seus sentimentos, suas reflexões e filosofias. Nunca seu vazio. Nunca um livro todo em branco em que ela pudesse, poeticamente, escrever sobre si. Não.
No amor também, ela procura alguém com as mesmas vivências, as mesmas apatias de horas marcadas, os mesmos gostos e os mesmos gestos. Alguém que lhe demonstrasse que ela não é a única, por exemplo, a gostar de comer pêssegos debaixo do chuveiro. Alguém que se sentisse mal com a aparência, que tivesse vergonha de sair, que ficasse por horas quieta, esperando alguma coisa incrível acontecer. Não. Ela encontra os homens que bebem, que fumam, que falam besteiras por toda uma noite. Que querem sexo, sobretudo sexo. Homens que não aguentariam um filme de Özpetek, não leriam um poema de Pessoa, não fotografariam uma pitanga de duas cores.
Às vezes ela pensa em desistir das buscas. Ela pensa em investir na carreira, no contar de números, na vida seca e artificial dos escritórios. Ela pensa, então, que não foi feita para o amor, nem todos são. Ela pensa que a arte não é sua vocação, nunca é.
Às vezes ela pensa em se matar. Ela pensa que seria como parar a roda de uma bicicleta emborcada que gira no ar. Em um momento ela gira, gira, gira, fazendo barulho... E no seguinte se pode colocar a mão sobre ela. Primeiro devagar, para não machucar, depois parando-a por completo. Ela fazia isso quando era menina, mas ninguém sabe ou quer saber.
Às vezes – e essas são as piores – ela acredita que encontrou o que buscava. Um filme que lhe traduz inteira, que lhe eleva a alma, que lhe faz acreditar de novo. Por uns dias. Um par de dias. E então ele se revela só um filme. A vida o sobrepuja. Às vezes é um homem que, de longe, parece diferente, sensível, misterioso, especial, mas que de perto se revela só outro homem. Mais um cujo contato máximo com ela será um cumprimento cruzado na rua. Seguindo, depois, cada um com sua própria solidão sem cura.
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