Tereza tinha olhos pretos e redondos como jabuticabas frescas e suculentas. Ofuscava, ao centro, uma espera morta e quente. Nunca entendi como coisas mortas podem ser quentes. Nunca entendo olhos ávidos que esperam alguma coisa dos céus. Tereza devorava nuvens inquietas. Traduzia a intenção do vento. Escutava a algazarra dos canteiros secos que pressentiam água. Sabia exatamente o momento da chuva e saía lá fora, sem agitação ou felicidade. Com uma paciência de pedra em fundo de rio, sentava em uma lata de tinta debaixo da chuva e se deixava molhar. Era fome úmida.
A primeira vez que a vi assim, sentada debaixo da chuva escolhendo arroz, eu passava com meu guarda-chuva e meu casaco. Pensava coisas bobas e indiferentes. Era mais uma sombra anônima na metrópole cansada. Eu e a cidade, escorríamos alguma palavra suja. Nada era lavado. Vi Tereza de longe. Parei no meio da chuva para observá-la. Ela só voltou para dentro da casa quando o céu secou. Seu rosto e a vasilha de arroz comungavam um renascimento que agredia minhas mortes diárias. Era inverno. No outro dia também chovia. Lá estava ela no meio do quintal, lendo. Tereza tinha livros de serem lidos na chuva. Fiquei inquieta com tantas imagens.
O inverno foi chuvoso. Vi Tereza muitos dias. Ficamos amigas. Eu me aproximei. Quando cheguei muito perto, ela entrou dentro da casa e pegou outra lata e me pediu para sentar. Obedeci. Naquele dia ela escrevia uma carta debaixo da chuva. Cada palavra que tentava escrever escorria do papel e caía dentro da lata de tinta. A lata estava cheia de verbos. Minha curiosidade queria ler. Ela não deixou. Pegou minhas mãos e as colocou em seus olhos. Senti um líquido quente no meio da chuva fria. Ela me disse que se chamava Tereza e que há muitos anos não conseguia mais chorar. Só a chuva era capaz de fazê-la ter memória, sentir amor e escorrer lágrimas semânticas.
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