quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

a CHUVA LÁ DE FORA E AQUI DE DENTRO - por Simone Huck

Aquarela de Joana Vieira

Visto-me de janeiro e tento compreender a espera das horas que me escurecem. Ontem tive uma súbita vontade de vender todas as minhas palavras. Quem daria cinco centavos por elas? 

Desconheço a extensão da letra e do motivo. O que será que nos move de fato? A palavra ou a intenção? Memórias póstumas estão ancoradas no presente do meu fígado. Martelam regras, odores e nãos. Sou um pirata ilhado no meu próprio mar. Tenho saudades de casa.

Hoje o dia foi um suceder de tempestade e sol. Nem os céus sabem o que querem. Todos estão loucos; não faço parte desse hospício sozinha. Será que Zeus quer chamar atenção ou está numa crise de identidade e idade? Estamos todos envelhecendo. Nos céus ou na terra. Controlando chuvas ou palavras, todos querem vender alguma coisa que pensam possuir. Seremos eternos mercadores. Deuses e homens em conflitos e trocas. Vamos descer? Ou melhor, remar?

A falta omitida. A presença adiada. A saudade guardada num baú empoeirado, repleto de relicários e traças famintas. Agarrados a um pedaço vão de fé, somos um exército de maltrapilhos pagando promessas mudas por coisas que não mais acreditamos. Não desistimos. Somos homens da insistência. Quem ousa dizer que não somos felizes? Mas é claro que somos!

Janeiro é uma repetição de chuva, sol e tempestades. Tempestades externas e internas. Qual será que destrói mais? Enquanto a tempestade desce dos céus, vejo a porta dos estabelecimentos repletos de gente que buscam abrigo. Padarias, bares, mercados, bancos, hospitais, ficam com as portas de entrada obstruídas por uma multidão se protegendo da chuva. Possuem olhos ávidos. Olhos de esperar chuva passar, tempestade acabar, água secar. Olhos nostálgicos também. A chuva sempre molha alguma coisa interna do nosso humano. Amontoados, homens e mulheres com medo dos céus a espera de um segundo de trégua. Quando os pingos chegam, eles se atiram ao anonimato das ruas e seguem seus solitários caminhos. Passos apressados. A dúvida sempre corre.

No fundo, só queremos voltar pra casa. O guarda-chuva de pedra das nossas vãs ilusões.

3 comentários:

  1. De minha parte, adoro os banhos de chuva. seja como flor.

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  2. "No fundo só queremos voltar pra casa".Texto lindo, Si.Um xero.

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  3. Bonita fotografia, essa que tirastes de um frugal dia chuvoso.
    E bela ilustra, essa que tu escolhestes para tua quinta.

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