terça-feira, 22 de janeiro de 2013

mARINA - por Dilma Alencar.

Os abismos apartam o homem do óbvio. Os cabrestos orgulham os pares desavisados da morte, os horários, as brigas, as rédeas que qualquer relação pressupõe. Enfeites, o fogo foi nosso primeiro símbolo, luz, enfeite.
A solidão não é um prêmio aos desajustados do mundo, esses por aí, que tem angústias embutidas até nos goles de cerveja, a solidão é um segredo dos primeiros homens, é uma linguagem que não se ajusta aos pacotes de viagem nem às noites eróticas de rezas, a solidão é um estado de silêncio em que os fantasmas nos amam, solidão é o espaço entre meu copo e o seu, entre meu filho e seu parto, a solidão é um estado de dor inseparável, de uma regularidade que envergonha qualquer namoro,
A mãe que guarda a roupa do filho morto. A fome de pão alimenta a linearidade do operário feliz, a fome de corpo estrangula o corpo de adultos violentos.
Com três tiros levaram o menino vadio.
Com três terços banhados em ouro, ela voltou sem comer, cada conta uma lágrima e o filho morto, um soluço e um filho morto, um orgasmo e um filho morto. Um pedaço de pão dormido e um filho morto.
A vertigem anula absurdos e o que dói já não precisa de nome, assim também como o que dá prazer. A cidade é palco, é também vida. A cidade é.
Há fome de carros, gravatas, crachás, apartamento, viagens, drinques, novas línguas, sex shop, pubs, yoga, comida vegetariana, piscina grande, feriados longos, havaianas, jeans, cinema, teatro, açougue, asilo, creches, campanhas, acampamento, escritura.
Jornais, estúpidos e niilistas, organizam o caos no discurso de quem manda, quem lê ri e arrota as últimas teorias para explicar a guerra, a impotência sexual, a bipolaridade, a depressão, o barroco, a renda da saia, o fio do cabelo, a partícula de deus, o buraco do asfalto, a fumaça da boca do mendigo, o fedor do rio, o músculo da perna do jogador, o dente quebrado do artista fenômeno do minuto, o imposto que não rende rente aos olhos de quem paga, o sangue na escada perto da avenida.
Mãos e pés, escadas e corrimãos. O cenário da lida, as estações inchadas de pressa.
À primeira luz, poucos sabem, ou podem, ver além da plataforma e do trem. A maioria dos olhos está no pulso e nos trilhos, os passos apressados, os corpos cansados, antes mesmo das seis.
A ordem do dia é a vida regulada pelas horas aceitas.
Na contramão do fluxo, do óbvio e do apetite geral, Marina volta do velho centro.
Tocara percussão durante 4 horas. Boêmios brindaram à música, ao diabo e principalmente às pernas de Marina, vistas redondamente vistas com desejo, saltando de um vestido azul.
Deus põe poesia no sereno, e Marina aos olhos de poetas.
Nos intervalos, ela fumava, doce como só ela sabe ser.
Solta, irresponsável à correnteza dos atos clichês, Marina foi a um quarto tão desconhecido quanto a sua companhia despiu e foi despida.
Quente, esguia e ávida, matava a fome, alimentava os versos que um dia alguém, de certo, escreverá.
Marina, agora, voltava para o lar: filho de um ano, marido e no domingo, almoço na casa da sogra. É muito feliz.
Ninguém duvida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

o Febre CRÔNICA agradece sua leitura e comentário.