À mesa posta, nos olhamos em silêncio, o silêncio árido, ali nasciam
nossas sepulturas.
Os pratos brancos e limpos dispostos elegantemente sobre a mesa não se
comoviam com nossas vergonhas e cicatrizes.
A carne, a salada e o vinho, ofendidos do nosso fastio, exibiam
irresponsáveis, seus aromas.
A sala, pouco iluminada pela luz da cozinha, abrigava nosso medo de
morrer na primeira noite de um verão que se abria em icebergs nas camas
arrumadas.
Seus óculos na estante atacavam meus nervos com pistas do que faria
falta.
As velas acesas aos pés de Iemanjá faiscavam meu desespero de partir.
Nos falamos com o cuidado de ser breve,pois o tremor e a rouquidão da
voz diziam da debilidade de nossas decisões.
Após o primeiro corte, a primeira garfada engolida com dor no nó da
garganta, depois de engolir sem prazer, os olhos se encontraram com uma
distância aguda, um aborto doeria menos
do que aquele vislumbre.
Úmidos, salgados e rápidos em sua rota de fuga, nossos olhos encontraram
o molho, o sal, o guardanapo.
Bebemos vinho. As taças transbordaram como açudes barrentos, revoltos e
sujos de terra vermelha, mas os olhos permaneciam fiéis ao cenário de
serenidade e amadurecimento que pretendíamos.
Na cozinha, o verde rompia a terra preta, as sementes plantadas brotavam
brutas e indiferentes à ruína da janta, confortáveis em seu vaso rosa. Mais um
verso tecia o confuso espetáculo da nossa linguagem.
Sobre o sofá, uma mala pequena estendia a alça convidando minha partida.
A mala pesava uma vida.
Recolhidos em papel, panos, escova de dente e caneta bic, todo objeto carregava a dor de um filho morto, morto antes de
ter asas.
Sem orações e sem fé, a parafina inundava o chão da sala. O som da TV
não alcançava nossos ouvidos úmidos das promessas que os corpos gozaram.
A toalha de mesa branca pedia paz na fronteira da dor virando água. Deixaríamos
um filho nas entranhas.
A mesa coberta de orvalho rompia as raízes do orgulho e da violência.
Lírios brancos flutuaram acima dos pratos sujos.
Arriscamos um riso sem motivo, ensaiávamos a persona do próximo carnaval.
Sentimos o penhasco embaixo da mesa.
Partimos para uma realidade por fazer. De metal ou de manto, partimos.
Hay otras maneras.
ResponderExcluirNo debemos caer en absimo.
Hermoso texto...
Obrigada por lê-lo e dizê-lo.
ExcluirEstive eu ali também, tamanha força do teu texto. Me lembrou de um banquete descrito por Clarice. Mas o dela é todo solar, enquanto esse é crepúsculo.
ResponderExcluirLinné, Clarice descreve num certo conto, acho que "Janta", um homem mastigando.De Clarice eu não sem nem dizer do tanto que gosto.Obrigada por ler meu texto,Linné. Seu olhar me deixa contente.
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